“O DEVANEIO DE UMA ALMA
OU
ASCENSÃO E QUEDA DE UM ESPÍRITO
SOLITÁRIO’’
O sol se põe e seus raios luminosos tingem o horizonte de um
vermelho sangue. Varre a terra um vento que agita a folhagem da paisagem que
contemplo. No coração dentro do peito uma súbita agonia o oprime. Com os
pensamentos em maresia repouso na relva o corpo cansado e destilo aos poucos as
emoções aflitas. Fecho os olhos e nas entranhas de mim sinto que subo os
degraus sólidos que me conduzem aos céus. Minha alma então se rejubila dentro
de mim. E a cada degrau que me elevo
algo de doce e sútil se apossa de meu espírito e, é como se sorvesse o mel dos
favos e saboreasse o doce das mais saborosas uvas. E alegria transborda em júbilo em meu peito
outrora agonizante. O cálice sagrado e o pão divino me aguardam no topo da
escada. Lá no alto, acima das nuvens todas onde sei que habita Deus. Ah! Doce
ventura de um ente solitário e ora de alma desnuda... E ergo então a cabeça,
descerrando os olhos até então lacrados, e rompe-se o selo do devaneio que me
envolve. O tempo se dissolve e escorre como que veloz, pelas veias dos rochedos
de um abismo profundo. O abismo entre eu e Deus. E então de súbito despenco
abismo abaixo, com a cabeça estonteante e alma assombrada como que pelo susto
da mão sombria da morte. Mão que me lança de regresso à terra de onde meus pés
se elevaram. E num lapso curto de tempo... O tempo que percorre a flecha ao
alvo certeiro. De modo terrível e assombroso translado dos céus atravessando as
estrelas que já brilham. E regressando entorpecido, como quem despertado de um
transe febril. O corpo exausto, a alma assombrada e o espírito aterrorizado...
Como que em trindade santa unidos, contemplo de volta a paisagem terrena. Já se
fez noite e lua ostenta lá no alto dos céus todo o poder que me arrebatara.
E regressa ao peito, a agonia de um coração solitário e de
dor transpassado, porém em algo modificado... Não teme mais da vida a morte,
nem lamenta a solidão primeira e que em eternidade se promete.