segunda-feira, 21 de março de 2016

"UM CONTO"

MEU INESQUECÍVEL AMIGO JOHN

     Ora era eu. Ora era John. Nunca nós dois. Nunca nós ambos. Todo um infinito nos separava. Toda uma imensidão nos dividia. Jamais ocorreu a mim nem a John que houvesse comunhão possível em algum lugar para nós.           Que houvesse uma forma de dividir. Uma forma de compartilhar.
     O que eu queria, John desprezava. O que John aceitava eu renegava. Então era assim como se habitássemos dois mundos diversos.
     Talvez o que me fosse por paraíso, para John fosse inferno. E o que para John era por inferno. Para mim paraíso era.
     Talvez ainda, vivêssemos como em ilhas distantes num imenso oceano. Cada um ilhado um do outro. Cada um sem dar-se conta, senhor em sua própria índole de sua própria solidão.
     Só sei que por longa data fomos próximos. De certo modo companheiros de jornada. E a vida de cada um de nós, partilhamos juntos por considerável espaço de tempo. Tempo o suficiente para que eu conhecesse os gostos, os hábitos, os costumes de John e ele os meus.
      E por mais que possa parecer impossível nunca partilhamos se quer uma alegria em comum ou ainda comungamos nenhuma mesma tristeza. Somente de modo estranho, insondável e sem hostilidade, convivemos vida afora, não por tão curto espaço de tempo. De modo que o que juntos vivemos passamos a considerar uma simples amizade.
       Conhecemo-nos ao acaso apresentados por pessoas de nosso círculo de convivência. E pouco tempo após apertarmos as mãos, já iniciamos a trocar algumas palavras, bem como a guardar silêncios incomuns no convívio entre duas pessoas.
      Morávamos próximos, de modo que facilmente nos encontrávamos para desfrutar senão da companhia um do outro, somente da presença física e do silêncio que nos envolvia.
     E acredito que de modo peculiar manter-mo-nos um na companhia do outro, fez com que nos apegássemos e nos tornássemos habituados um ao outro.
     Pode mesmo até ser que, justamente por não haver entre nós, qualidades ou defeitos, em comum. Isso nos tornou de certo modo íntimos e próximos. Respeitando cada um o modo peculiar de ser do outro.
      E então conseguimos determinar um ponto de intersecção entre nós dois. Entre nossas personalidades conflitantes. Entre os aspectos marcantes e diferenciados, inclusive de conceber o que era a vida. O que cada um ambicionava e o que para cada um era como por esperança para o futuro... Arrebatando assim de nosso convívio também a possibilidade de confidências, de partilhar possíveis segredos.
      Quando de nossos encontros casuais ou não, saudava-mo-nos  com um aperto de mão. E indagávamos  como haviam sido os dias que permanecemos distantes, e logo em seguida vinham aqueles longos e quase incômodos prolongados momentos de silêncio. Nos quais um, porque não dizer em respeito ao outro, suportava sem nunca questionar o que significava aquilo... Ou a razão de querer-

mo-nos um ao alcance do outro sempre que possível.
     E foi assim que por longa data mantive meu relacionamento com John. Vivendo algo que me deixaria uma marca profunda. Pois aquilo que defini como amizade entre eu e sua pessoa, só mais tarde com mais clareza pude perceber, o quanto supriu o meu amigo, e eu na certa a ele, a possibilidade de um padecimento maior de vida, caso não tivéssemos um ao outro durante aquele transcurso de nossa existência. Como uma estação do ano que transcorre no tempo, e logo nos deixa dela saudosos em relação à estação seguinte.
      Tive porque não admitir, talvez a possibilidade que poucos podem vir a ter, de um relacionamento ímpar, de uma amizade difícil de ser definida como tal, mas que não foi nada mais além que uma simples amizade.
      Hoje quando volto ao passado e me recordo daquele convívio com meu amigo, dou-me conta saudoso de sua pessoa. E de seu modo peculiar de ser. E isso sem entristecer-me... Sem causar em mim nada senão uma sensação nostálgica de idos passados, de quando era mais jovem.
      Impossível me é prolongar-me mais nesse relato, pois não me concederia falar aqui da pessoa de meu amigo. Do que ele em mim despertava, de qualquer qualidade ou defeito seu.
     E isso porque me é caro e precioso, guardar comigo a recordação que dele trago. Daquele rapaz que de modo estranhamente insondável cruzou meu caminho e eu o dele.
    Da parte dele bem o sei, que algo em semelhança se deu quando de nossa repentina separação. Ou seja, ele levou consigo uma memória de mim, que jamais será legada fácil também ao esquecimento.
     E assim como casualmente nos conhecemos, de modo casual, também nos separamos. Ele simplesmente certo dia por motivo de ter que ausentar-se para longe, veio até mim e participando sua partida, trocamos um aperto de mão seguido de um abraço.
       E o que de forma singular vivemos, ficou lacrado no passado de cada um de nós, sendo que sei comigo que jamais na vida encontrarei alguém como John, capaz de  proporcionar a mim e eu a ele, um incontestável e peculiar relacionamento de amizade.
     E então leitor eu lhe afirmo. O que vivi ao lado de John foi, dos relacionamentos que tive em minha vida um dos mais caros e preciosos. O que se deu entre eu e aquele rapaz de características tão diversas das minhas, e com o qual nunca dividi nada de meu, nem ele nada de seu. Conservo em meu coração como uma pedra rara, caída dos céus como uma joia que com amor e carinho guardo dentro de meu coração.

FIM

       

POEMA URBANO

MARCANDO PARA OS SUBÚRBIOS


Do cerne central
Da grande metrópole,
Onde blocos gigantes
Aos céus se elevam,
E o corpo faz trêmulo,
Quando os olhos contemplam
De encontro ao azul magnífico dos céus,
Os imensos arranha-céus...
Parte pelas ruas e avenidas,
Enroscando-se por dentre assas estruturas
Por um labirinto,
 Rumando aos porões da cidade,
 Rompendo o ventre da gigantesca metrópole,
Desentrincheirando os meandros ainda por vir,
Ninhos de áspides e serpentes...
E ocultando-se quanto mais se vai adiante,
Distanciando-se do cerne de onde se partiu,
Alcança-se enfim habitat desses entes...
São míseras formações,
Que se recolhem de forma turva pelas periferias,
Distantes do centro da cidade.
E o olhar que outrora contemplava os edifícios,
Agora faz fremir o corpo,
E busca-se conter as lágrimas,
Que insistem em escorrer...
De cobras peçonhentas que eram,
Habitando em conjunto agora com outros corpos,
Feito vermes em atoleiros,
Percorrem os caminhos,
Por entre o fervilhar de toda gente.
Na caminhada que se segue,
Recolhem-se estes entes,
Nos morros e vales periféricos,
Como que em virulentos e odiosos ninhos,
Figuras errantes se aglomeram,
E exala o odor fétido da miséria.
E os excrementos escorrem,
Por veios próximos às paupérrimas habitações.
 E assim apodrecem em águas corredias,
Por vezes estagnadas.
E os habitantes que ocupam estes recantos
Trevosos,
Que se o sol recebem é só para clarear e,
Tornar à vista a parte mais asquerosa,
E indesejável,
Daquilo que ainda persiste ser,
A grande metrópole...
E estes habitantes agora,
Erguem aos deuses sua voz,
Em busca de que os ouçam em sua miséria reinante.
Vítimas de doenças e males,
Que os outrora blocos gigantes,
Ficados para trás querem ocultar,
Como em submundos dos porões,
Da urbe...
E os habitantes da metrópole,
Na grande maioria disfarça o terror,
Que os acomete,
Persistindo em esquecer,
Aquele verdadeiro câncer,
Que oblitera a cidade.
Os seres periféricos,
Os áspides e serpentes,
Persistem em sobreviver,
E vez ou outra,
Pelo anoitecer,
Avançam silenciosos,
Saídos de seus ninhos,
E prontos para atacar febris,
De cobras que eram em celerados e ladrões
Transformam-se...
E atacam qualquer habitante,
Da ousada e magnífica metrópole.
E se ergue então aos ouvidos dos deuses,
O praguejar dos legados ao esquecimento,
Bem como dos assaltados pelos que habitam,
Os territórios mais próximos do cerne urbano,
Em coro e infernal orquestra,
Da vasta e gigantesca edificação...
Que como se em uma Babel se constituísse,
E vingança divina exigisse,
Pergunto-me então eu,
Ao azul dos céus elevando os olhos,
Até quando,
Até quando...
Isso tudo persistirá.





ARTHUR E O DESENCONTRO DE UMA VIDA

         Como falarei daquilo que só me conduz ao espanto e nada mais. Como obter um rumo para as palavras se o que pretendo dizer condiz em violar de certa forma o lacre de um silêncio que prometi  manter inviolável.
         Haverei de estabelecer entre eu e quem me lê um pacto, uma espécie de ruptura. Estabelecerei uma trincheira. Traçarei duas paralelas, para que possa abrir um vão  entre eu e Arthur. Entre eu e aquele que me leva como que a sentir-me atraiçoado, pois em verdade é essa a questão, devo trair a mim mesmo. E trair-me logo em minha essência, pois no momento exato em que transcrevo aqui o que se passou, me dou conta que haverá em mim um arrependimento. Um arrependimento eterno em haver eu  atrevido-me  a narrar algo que pode depor contra mim mesmo. Pois o que pretendo aqui é estabelecer um julgamento, determinar uma sentença, fixar um veredito.
         Tenho para mim que aqueles que se sabem capazes de vileza, ou que não se importam em optar pela mentira, quando a verdade lhes está não só ao alcance, mas inclusive lhes bate à porta, deveriam eximir-se de julgar ao seu próximo em qualquer  ato, sentimento ou mesmo comportamento que assim o seja.
         Arthur não era em verdade o tipo de pessoa confiável, eu o sabia bem, conhecíamos ambos, um ao outro o suficiente, para que se estabelecesse entre nós, desde uma possível cumplicidade, até o mais completo repúdio.
         No entanto, permiti que se prolongasse nossa convivência, pois lá no fundo sabia, que se existia alguém capaz de guardar um segredo, algo que não me deixaria exposto ao cadafalso esse  alguém era Arthur.
         Sendo assim decidi que partilharia com ele o que se passou em minha vida, e transformou-me num marginal  ou melhor dizendo, me pôs a margem do comum das pessoas. Pois não é qualquer um, que havendo cometido um crime, consegue ocultá-lo por um longo espaço de tempo, mantendo em seu íntimo a mais pura e indelével ausência de remorso.
         Tinha para mim ainda como que incontestável, a certeza de que não me eximiria em cometer um segundo crime para ocultar o primeiro, se necessário  fosse.
         Sendo assim,  revesti meu relacionamento com Arthur, guardião de um segredo meu, com o mesmo caráter que reveste um criminoso à um sacerdote ao qual confessa seu crime. Sabedor que em seu sacerdócio aquele que  recebeu o segredo jamais decairá de seu posto de sacerdote violando seu juramento perante o confessionário.
         E tornamo-nos íntimos. E partilhamos momentos inesquecíveis, ao menos para mim, que sabia lá em meu íntimo, plenamente capaz de dar fim ao  outro se me revelasse em confissão.
        

          Numa tarde de domingo, quando resolvidos a encompridar um pouco mais o tempo que dispúnhamos da companhia um do outro, decidi por a prova meu companheiro.
         Acrescentei em poucas e lacônicas palavras que logo eu, um assassino no passado, haveria não só de redimir-me de meu crime, bem como bonificaria quem se propusesse a auxiliar-me nisso.
         Concluiu daí meu companheiro, que estava eu disposto a pegar a pena por meu delito. Mal sabia ele, que minha intenção primeira era em verdade, resgatar-me justamente da possibilidade de me ver delatado.
         Separamo-nos após eu haver afirmado convictamente a ele, que estivesse prevenido, pois eu em breve na certa estaria atrás das grades pagando minha a pena.
         Resolvido em acabar com aquilo que considerava um verdadeiro desencontro de vida,  pois sabia que a qualquer momento poderia cair nas mãos daquele que era senhor de meu segredo. Não me foi necessário muita coragem para que arquitetasse um ardil, através do qual me veria livre inclusive da possibilidade mesmo de uma chantagem. Pois Arthur como o disse, não era pessoa confiável. E se por um espaço considerável de tempo houve entre nós convivência, foi porque de minha parte, em meu íntimo, satisfazia-me a idéia de alguém conivente com minha condição de criminoso.
         No espaço de uma semana consegui planejar tudo. Conhecia um local, onde não só poderia dar cabo de meu companheiro, bem como de forma alguma descobririam onde estaria oculto seu cadáver.
         Tratava-se de um local pouco freqüentado, uma verdadeira mata nos arredores da cidade, onde havia um poço profundo, há muito na certa abandonado e inclusive lacrado por uma tampa de cimento. Ninguém jamais deduziria que ali, bem naquele local, ocultar-se-iam dois corpos. Um lá depositado por mim há bom tempo quando de meu primeiro assassinato. O segundo seria o de Arthur.
         Marquei  um encontro pois com ele, e propus que fossemos conhecer um local deveras curioso, que poucos costumavam na certa freqüentar.
         Chegamos à citada mata e conduzi  meu companheiro até o local do poço. Ao chegar lá, convenci-o a auxiliar-me em remover a tampa do mesmo para que avaliássemos sua profundidade.
         Removida a tampa, olhei para o interior do poço e exclamei: “veja, parece que há água! E algo flutua nela!”
         Arthur então debruçasse na beirada do buraco eu por minha vez sem hesitar empurro-o para as profundezas do poço.
          Ouvi o som do impacto no que seria o charco no fundo do buraco, e um princípio de grito, o qual silencie de imediato, usando de todas as minhas forças e lacrando  com a tampa de cimento novamente o poço.
         Acendi um cigarro, observei a paisagem a meu redor, e confiante que mais uma vez estava liberto de qualquer possibilidade de condenação parti rumo à cidade.
         Mal dei dez passos em direção a minha liberdade, de certa forma viciosa, - liberdade daqueles que ousam estabelecer para si próprios suas próprias leis -,  e esbarrei num guarda. Um policial que passara por  acaso no local e presenciou a distância o momento em que atirei o corpo de Arthur nas profundezas do poço e lacrei com a tampa.
         Hoje, decido a narrar o que se passou de dentro da cela quadrada,  fria e inóspita em que me encontro. Ainda trago em minha alma a mesma atitude de irreverência. Importando-me pouco com o fato de estar privado de uma possível pretensão de redimir-me.
         Em verdade, o que me importa é saber que a natureza daquilo que deixou de ser segredo, tornando-se mesmo manchete de jornais, é também de certa forma, algo que cedo escapa à memória dos que conhecedores do fato, julgaram-me, condenaram-me e determinaram-me a sentença.
         Esquecido em minha cela, sei também que,  dissolvida se encontra na marginalidade o que disse se entrincheirar entre eu e Arthur. Meu remorso. E permanece incontestável  para mim, e só para mim, minha heróica libertação.




FIM

domingo, 20 de março de 2016

"UM BRASIL EM CRISE... PARA ALÉM DA CORRUPÇÃO POLÍTICA"

A esta altura dos acontecimentos em que a nação brasileira se divide em duas facções: uma de apoio ao governo petista, outra que o contesta. Pergunto-me onde encontram-se os verdadeiros representantes da esquerda política na nação. Aqueles que em verdade contestam o sistema capitalista. Na certa, não estão presentes nesse levante em massa.  Pois não se ergue nenhuma bandeira que os represente. O operariado, a classe trabalhadora, os oprimidos pela pobreza e miséria reinantes ainda na nação. Encontram-se dispersos no que diz respeito aos protestos em massa. Na obscuridade de um sistema ora opressor, que digladia com mão de ferro com certa parcela da população. Talvez esteja aguardando aqueles que insistem em se manter no poder, o agravamento maior do que já se passa. Ou seja a marcha dos mascarados unindo-se em movimento e vandalizando, não já sem motivo justo. Na certa demore ainda por algum tempo, e sabe-se Deus lá até quando. Que regresse o Brasil ao sossego de poder-se com clareza avaliar politicamente quem representa a direita e a esquerda, na política em nossa nação.  


FILHOS DE CAIM


“Ouve a minha voz...
escutai as minhas palavras: eu matei um homem...
e um adolescente...  Caim será vingado sete vezes,
mas...serei setenta vezes sete”.

                                             Do Livro do Gênesis


     Como sempre logo ao escurecer reuniam-se os quatro irmãos ao redor da mesa de jantar e servidos pelo empregado da casa comiam em silêncio. Após a refeição e retirados da mesa os pratos ainda por alguns momentos permaneciam ali reunidos.
     No geral era sempre assim: ao anoitecer quando desocupados cada um de seus deleites diurnos deparavam-se de frente uns com os outros na hora do jantar.
    Ocupavam o velho casarão que pertencera a seus antepassados. E órfãos que eram convivam já há longo tempo enclausurados naquela casa e restritos a seus hábitos na certa senão excêntricos,  extravagantes.   Qualquer um que contato tivesse com aquele quarteto por assim dizer, haveria de repudiar sua conduta nada sociável.  Há tempos permaneciam naquele ambiente obscuro e sombrio. E não fosse o aspecto irregular de seus hábitos, como dito incomuns, talvez houvesse ainda um meio de se deslocarem de ambiente tão vicioso. Tão sobrecarregado de laços que,  se num aspecto os unia,  por outro  fazia de cada um deles um fantasma em potencial.
     Houve conhecidos que por algum tempo buscaram proximidade, tentaram mesmo alegrar o ambiente que pela resistência dos quatro em acatar qualquer princípio de amizade findaram se afastando.
     E o mórbido e voraz caráter de cada um era o divisor comum daqueles quatro irmãos certamente desafortunados de qualquer tipo de real nobreza de alma. E isso na verdade desde crianças. O que inviabilizava uma possibilidade equitativa de comportamento sadio. Eram então agora três rapazes e uma moça que em potencial na certa se enfrentariam, na disputa e soberba, características de cada um; se tentassem persuadir uns aos outros numa possível mudança de comportamento, ou ainda simplesmente aliarem-se num mesmo propósito, diverso daquele que os unia.
     Compactuados eram num procedimento que os tornava cúmplices uns dos outros.
      Terminado o jantar naquela noite de domingo Norberto  o mais velho dos quatro levanta-se da mesa e anuncia com voz firme:
      - Meus queridos irmãos,  estou de saída. Esta noite a missão é minha, já vou indo até mais.
      - Até Norberto – foi a resposta da boca de alguns.
     Já as trevas reinavam densas quando Norberto atravessou o umbral do sombrio casarão. Passou a chave no cadeado do portão após sair, bem como certificou-se pondo a mão na cintura  se não deixava para trás sua faca de caça  idêntica a de cada um dos outros quatro irmãos .
     Tomou o rumo esquerdo da calçada e a passos vagarosos caminhou por vários minutos displicentemente estacando somente a certa altura devido a um barulho que lhe veio aos ouvidos de passos a se aproximarem.
     Buscou refugiar-se nas sombras o mais que pode e permitiu assim que o transeunte que seguia na mesma calçada que a sua,  passasse por ele  sem se quer notá-lo.
     Aguardou alguns segundos e pôs-se a seguir o estranho que virando as costas e dando conta de que era seguido  apertou o passo. Norberto foi mais ligeiro e atacando o estranho pelas costas, corta-lhe a garganta com sua faca,  arrebatando do sujeito em seguida seus valores pessoais.
    Usando luvas retirou Norberto do bolso do casaco um pedaço de pano e limpou a lâmina da arma embolsando em seguida de volta o pedaço de tecido manchado de sangue.
    Sem demonstrar qualquer temor ou alteração de humor. Deu as costas e rumou de regresso ao antro que lhe servia por lar. Lá chegando procurou como sempre fazer silêncio para não incomodar o sono dos demais. Caminhou rumo ao cofre atrás de um dos quadros da sala e introduziu nele o fruto do latrocínio. Em seguida foi até o porão e atirou o tecido ensanguentado nas chamas do aquecedor da casa e lavou as manchas de sangue da luva numa pia.
      Subiu então de volta para sala, sentou-se por um tempo numa poltrona. O olhar perdido no vazio da sala sombriamente iluminada por algumas velas. Passou-se menos de dois minutos e logo subiu rumo a seu quarto no andar superior.
     Abrindo a porta do quarto mansamente a passos de gato entrou no aposento. Passou a chave, tratou de tirar as vestes, e deitou-se.  Adormecendo logo como tomado pelo sono dos justos.
      Decorridos sete dias, novamente jantavam reunidos os quatro irmãos. Reinava silêncio no ambiente da sala de jantar. Juliano, o mordomo,  que desde o falecimento dos pais dos moços persistia como empregado da casa. De pé em prontidão, atendeu a ordem de tirar a mesa assim que terminaram a refeição.
     Passaram então os quatro para a sala de estar, onde, as chamas das velas dourava o ambiente em trevas. Dimas o segundo irmão abaixo de Norberto, tomou do isqueiro de mesa e ascendendo seu charuto, dirigiu-se aos demais dizendo:
     - Muito bem, boa noite, já estou de saída. Ao que os demais consentiram sem nenhum comentário, a não ser Vitória a mais nova que, num tom irônico e um sorriso enigmático disse: “Se encontrar alguma jóia que me caia bem, eu não me importo de ser presenteada”.
    Dimas sem dar resposta dirigiu-se para a porta e desapareceu na noite escura.
     Assim como Noberto, sete dias atrás, ele também caminhou a passos lentos pela calçada. Olhou o relógio de bolso, já caminhava a uns bons vinte minutos, quando ouviu passos vindos em sua direção. Tornou-se mais vagaroso seu caminhar, e cruzou com ele um casal que na certa passeava pela noite, ou ia rumo à alguma festa visto os trajes.
     Dimas exclamou consigo próprio: “Maldição, não poderia ser um só, tinha que tratar-se de dois!”. E prosseguiu em sua caminhada lenta e compassada. Virou a primeira esquina e deu de ombros com um senhor já com certa idade, este voltando-se para o rapaz, desculpou-se.
    Mal os lábios do velho homem se fecharam em suas palavras de desculpas, e um veio de sangue escorreu no canto dos lábios contraídos. Dimas já o havia esfaqueado em cheio no ventre.
    Tomadas as devidas precauções quanto aos vestígios do crime, assim como o fizera o irmão. Deu as costas e rumou para o casarão. A madrugada já avançava.
    Assim como Norberto, Dimas também evitou ao máximo qualquer barulho. Por sorte deparou-se com a lareira acesa, e ali mesmo atirou o tecido manchado de sangue com o qual limpara sua faca.  Em seguida virou-se de costas e quase morreu de susto, deu de frente com Juliano que  simplesmente lhe inquiriu:
   - Deseja alguma coisa ainda esta noite senhor?
   - Não - foi a resposta de Dimas, suspirando aliviado. Deu um cortês “boa noite” ao serviçal e subiu para seu quarto, após depositar no cofre da parede da sala, um relógio e a carteira do velho que assassinara. Despertou já tarde no dia seguinte.
     Decorridos outros sete dias, mais uma vez reunidos os quatro irmãos à mesa do jantar, desta vez foi Higor que pronunciou a sua sentença de despedida e adentrou-se na escuridão da noite.
     Nessa mesma noite sai  logo atrás do irmão,  Dimas em busca de um local onde comprar os charutos sem os quais não passava. Caminhou distraído por longo tempo, chegou mesmo a parar num local e tomar uma bebida antes de alcançar a tabacaria. Comprados os charutos tomou a direção de volta para casa.  Passou duas quadras e virou à direita dando de frente com  outro homem que vinha na mesma direção dele  com os olhos a contemplar os próprios passos.
    Ao se depararem este num ato súbito finca-lhe no ventre uma faca. O assassino estremece e atônito queda ao chão e debulhasse em lágrimas. Tratava-se de Higor que acabara de assassinar o próprio irmão Dimas.
    Envolvido num terror profundo, ainda assim lhe volta o sangue frio e calculista dos homicidas e deduz de imediato consigo: “devo ocultar o corpo em algum lugar,  pois meu irmão morto se descoberto seria a ruína de todos nós’’. Nisso principia a arrastar o cadáver do irmão para um beco próximo onde  dando graças  a Deus seria possível escondê-lo.
   Em seguida segue para o casarão em busca de participar aos demais o que se passara. Com a alma envolta em dor atravessou a porta da casa e subiu as escadas. O peito arfava, parou por uns instantes para em seguida principiar a despertar cada um dos dois irmãos em seus quartos. Por último chamaria Juliano, o mordomo. Eles na certa em consenso saberiam o que deveria ser feito.
    Esperou Higor impaciente os irmãos na sala de estar sob a penumbra das velas.   Um a um eles se reuniram assombrados com a atitude do rapaz. “O que poderia levá-lo a tal procedimento?” Era o que indagavam consigo próprios.
   Mais aflitos ainda ficaram quando este atirou-se de costas para a parede e vertendo lágrimas pronunciou: - “O Dimas.. -  Eu matei nosso irmão Dimas”.
   O pânico apossou-se de todos e quase em uníssono indagaram: -“O que houve, como sucedeu-se essa tragédia”, acrescentando em seguida da mesma forma num mesmo palavreado: -“E o corpo? O que fez do corpo?”.
      - Está oculto num beco próximo ao local onde deu-se o incidente – foram as palavras de Higor.
     - Juliano trate de preparar-se para seguir com Higor ao local. Trarão os dois o corpo de Dimas para nossa casa -  foi a fala incisiva da irmã mais nova  Vitória  a dar a ordem.
    - Eu e Norberto trataremos enquanto isso de encontrar uma maneira de como livrarmo-nos do cadáver de nosso querido irmão. – Vamos apressem-se.
    Juliano e Higor cumpriram as ordens de Vitória.
    Lançar o corpo do irmão nas chamas do aquecedor do porão foi a solução encontrada por Norberto e Vitória. Isso se daria ainda aquela noite quando regressassem com o cadáver.
    E juntos, Vitória e Norberto, começaram a contar o tempo que batia cadenciado no relógio de pêndulo num dos cantos da sala.
    - Meu Deus, como faremos isso Vitória? Na certa haveremos inclusive de esquartejar o corpo de Dimas para lançar os pedaços no pequeno forno do porão que nos serve de aquecedor na casa.
    - Juliano que trate dessa parte, o que mais podemos fazer? Ou tem você ideia melhor? – retrucou a moça.
    O silêncio estabeleceu-se no ambiente e impacientes aguardavam, sem poder um cruzar o olhar do outro . Omissos em qualquer emoção ou possibilidade de pânico.
    Enquanto isso, Juliano e Higor, que munidos de uma lona que o mordomo providenciara carregavam o corpo por caminhos ocultos pelas vielas próximas. Foram então repentinamente surpreendidos por dois cães que ladrando os assombram e encurralam.
    Sem poder avançar na caminhada ambos já exaustos pelo peso do corpo de Dimas não dão conta de vencer a fúria dos dois cães que avançam e fincando os dentes na lona desvencilham dela o defunto.
    Ao farejarem o sangue mais impossível tornam ainda a marcha e os dois homens veem-se indecisos, se fogem ou enfrentam os animais. Correm então em estado de desespero os dois num mesmo rumo aos atropelos. Não percorreram um caminho muito longo quando repentinamente Juliano aos tropeços leva uma queda e cai estirado de costas no chão. Higor pára em sua fuga e se dá conta que o outro ficara para trás. Volta-se e vê Juliano caído de costas. Aproxima-se e para seu espanto, sangue escorria da cabeça deste. Chacoalhou o corpo e estarrecido percebe que o mordomo já não respira. Havia batido com a cabeça numa pedra com a queda. E o ferimento profundo o matou.
    Maior então é a aflição que se apossa do rapaz. “Santo Deus e agora que farei?” Indaga ele de si no silêncio da noite.  Toma o caminho de volta para o local onde ficaram os cães e o corpo do irmão.
    Ao chegar ao local um terceiro cão já se unira aos outros dois e na certa esfomeados que se encontravam, já devoravam o corpo frio de Dimas. Higor tomado por fúria começa a jogar pedras nos animais procurando afugentá-los.  Jamais deveria ter tido tal atitude, pois enraivecidos os três cães partem para cima dele, que busca fugir, desta vez indo rumo a uma estreita ponte por sobre um riacho por sinal de altura considerável. Mal deu cinco passos por sobre o abismo os cães o alcançam e atacam ferozmente. O rapaz desequilibra-se e vê-se lançado precipício abaixo. Esse foi seu final.
     Enquanto isso no casarão, Norberto e Vitória, impacientes com a demora dos outros dois, ora caminham pela sala, ora sentam-se com o olhar perdido na penumbra das velas. O tempo foi passando e quando menos se deram conta o claro do dia invadia o ambiente.
     Vitória então, como sempre incisiva em suas atitudes, dirigi-se a ir Noberto e diz:
    - Bem já sei comigo que algo de trágico se deu. Não demorariam até o dia amanhecer caso tudo tivesse ocorrido a contendo. Sabemos o que temos de fazer.
    Dirige-se ela ao cofre por detrás do quadro na sala , destrava-o e toma de um frasco com um líquido. Norberto sente o sangue gelar, sabia perfeitamente o que continha aquele frasco.
     Ele e a irmã, bem como os outros irmãos, nunca imaginaram que fosse necessário chegar aquele extremo. Possuíam sim aquele veneno, mas jamais cogitaram a possibilidade de que seria algum dia útil.
     Norberto então toma de dois copos de uma mesa onde havia algumas garrafas de bebidas,  despeja em cada um deles certa quantidade e  pousa os copos na mesa de centro da sala de estar. Virginia despeja neles praticamente em parcelas iguais o conteúdo do frasco. Em seguida os dois irmãos sem dar-se conta unem as mãos numa atitude comovente na certa, tomados de emoção jamais vinda até eles. Emborcam os copos e entornam o conteúdo em poucos goles, num lapso caem mortos ambos estendidos no tapete da sala já iluminada pelos raios de sol da manhã.


                                                       FIM




UM POEMA

SURGIDO DO HORIZONTE

Vi surgir no horizonte,
Uma nova esperança,
Um novo sopro de vida.

Montado em cavalo alado,
As costas cingidas por uma capa,
E atada à cintura uma faixa.
Vi vir rumo a mim o infante alado...
Doía aos olhos,
O brilho radiante de sua espada.

Cavaleiro soberano,
Porte altivo...

Senti agigantar-se
Em meu peito a alegria,
E com a cabeça em maresia,
Pus-me em disparada a seu encontro,
Ao encontro de um sonho realizado,
De um ideal inatingível.

Qual não foi porém o meu espanto,
Ao chegar perto e ver,
Que eu mesmo era o infante tão esperado.



sábado, 19 de março de 2016

UMA CRÔNICA

“CINZAS NA LAREIRA”
 
     Alice contemplou o porta retratos na estante de livros. Emocionou-se ao recordar-se daquela face jovial junto à sua na fotografia. Sentiu mesmo um calafrio e assustou-se. Como o tempo pode estacionar num simples retrato. Já se distanciavam alguns anos do dia em que aquela foto fora tirada. Foto que parecia congelar duas faces lado a lado. Reclinou-se por alguns momentos no sofá da sala de estar de seu confortável apartamento, e ponderou consigo que enquanto no passado os egípcios ambicionavam eternizar-se através de suas múmias, o homem manteve essa atitude e terminou por esbarrar na fotografia.
        Como toda mulher, lutava com as marcas que o tempo, de forma inexorável imprime nas feições de qualquer um. E assim sendo, sem nem se quer dar-se conta, viu-se em frente ao espelho no quarto, se maquiando, buscando tornar mais atraente e rejuvenescido seu rosto já sulcado de leve por algumas rugas.
        Tinha um encontro marcado e queria impressionar o homem com quem flertara alguns dias atrás. Era o primeiro encontro e ansiava por causar uma boa impressão.
        É interessante como as mulheres de forma diversa dos homens temem o processo de envelhecimento, tomadas única e exclusivamente pela vaidade. O desejo de manterem-se estacionadas naqueles dias de juventude, em que na certa, se consideravam capazes de conquistar não só o rapaz que amam, mas todos os rapazes.
        Por longo tempo permaneceu na frente do espelho. Um retoque após o outro. Uma correção aqui, outra acolá. Até que por fim o batom escarlate deslizou pelos lábios e deu-se o feito por concluído.
        Da maquiagem passou aos cabelos e destes para a inevitável incerteza quanto ao vestido ideal. Terminando por decidir-se por um preto que considerou ser não só adequado, como implicar numa certa sensualidade.
        Nenhuma mulher se torna menos virtuosa, ou então despida de recato, devido à vaidade. Esse pecado capital parece antes, não condizer em mácula na alma feminina. Quanto mais vaidosa a mulher, mais possibilidade há de não pecar no rumo oposto. O do mau gosto, o do desmazelo ou  o de cair no ridículo.
        Depois bastou acertar numa sandália condizente com o vestido, brincos, um colar e pronto.
        Alice olhou no relógio e respirou sossegada. Ainda faltava meia hora pelo menos para que a campainha na certa tocasse. Aquele encontro com um homem atraente e, certamente descomprometido, lhe proporcionava imenso prazer. Na verdade ser comprometido ou não, para ela era algo que já principiava a desconsiderar. Na sua idade, já concluíra consigo, que não deveria ser muito seletiva.
        Sabia que permanecia solteira por opção. E prezava sua independência. Possuía um círculo não muito grande de amizade. E no momento, excetuando talvez o fato de já não poder mais gerar um filho, e mesmo incluindo isto, considerava-se uma mulher feliz. A solidão nunca a acometera de forma drástica. Se havia sentimento desta natureza ele era leve e suave como uma brisa marítima.
        De certa forma a alma de Alice ainda passeava pelo jardim da vida numa primavera constante. Houve momentos sem dúvida de dor, tristeza, sofrimento mesmo. Como o retrato que conservava na estante, congelando um momento do passado. Uma relação vivida que insistia em não esquecer. Afinal fora esta a relação mais profunda que viveu. Aquela face junto a sua no retrato era o homem que amara e quisera para si. Eleito por ela para ser aquele com quem dividiria todos os dias de sua vida. Ele teria sido o pai dos filhos que não tivera. Ele seria aquele que teria completado a evanescência de seus sonhos, com o toque viril de sua masculinidade.
        Soou a campainha e Alice apressou-se em abrir a porta. À sua frente, trajado elegantemente com terno e gravata, postava-se um homem já maduro, porém senhor de encantos e na certa, indubitavelmente capaz, de lhe proporcionar momentos de prazer. Liberdade à qual Alice jamais renunciou, a de desfrutar do prazer com o sexo oposto. E o ônus dessa liberdade não lhe pesava. Jamais dera ouvidos a possíveis críticas ou comentários sobre sua condição de mulher solteira. Preferia estar sujeita a comentários alheios, que levar uma vida na certa árida e que a conduziria a caminhos ermos, caso se privasse da companhia íntima com o outro sexo.
        Convidou-o para entrar, propôs-lhe um drink antes de decidirem qual seria o programa para aquele primeiro encontro. Serviram-se de um licor e decidiram-se por um jantar a dois, num ambiente onde pudessem ouvir uma música agradável, a fim de uma conversa tranqüila. Ter uma oportunidade de se conhecerem melhor. Uma atmosfera romântica já principiava a envolver ambos.
        - Pegaremos um táxi, e encontraremos um lugar adequado – disse ele.
        Alice concordou e deixaram o apartamento. Braços dados, olhares furtivos. Alice procurando disfarçar o entusiasmo de uma mulher galanteada.
        Ele sem dúvida era um homem requintado, pois escolheu um restaurante refinado, com música ambiente e um bom cardápio.
        Após o jantar veio a proposta:
        - Que tal passarmos esta noite juntos?
        Ela não colocou obstáculo. Ao contrário mostrou-se receptiva e meiga ao convite do companheiro. Disse somente:
        - Prefiro que não seja em meu apartamento.
         -Não há problema, iremos para algum hotel – retrucou o parceiro.
        E a noite transcorreu como ela de certa forma  previra. Houve sexo e carinho mútuo. Ele adormeceu a seu lado. E ela permaneceu longo tempo acordada a vigiar-lhe o sono, e a agradecer a Deus mais uma oportunidade de usufruir do prazer, de sentir-se amada, de ter a seu lado um homem que a saciara num enleio mútuo de carícias. Explorando seu corpo de mulher já madura.
        Na manhã seguinte, ao despertarem, trocaram um olhar terno de amantes saciados. E se não fosse a idade já um pouco avançada de ambos, talvez principiassem em trocar juras de amor eterno.
        Não, ela mesma já descartara esta prerrogativa, e sentia alívio em não ouvir nada além de: “Como foi bom, realmente deveríamos buscar desfrutar outras noites como essa”.
        Separaram-se na saída do hotel. Ele beijou-lhe de leve os lábios, e comentou displicente:
        - Estou atrasado para o trabalho. Espero que tornemos a nos ver em breve.
        - Claro – respondeu ela.
        E cada um seguiu seu caminho: ele para o trabalho, ela de regresso ao apartamento.
        Alice percorreu o caminho de volta olhando a paisagem matutina da cidade através do vidro do táxi que pegara em frente ao hotel. Sentia o corpo lasso, e respirava o ar da manhã como se este invadisse seu corpo e lhe fortificasse os membros aos poucos. “Encherei a casa de flores”, pensou consigo. “Quero o aroma de rosas”.
        Chegou ao apartamento e tratou logo de preparar o café, pois sentia-se faminta.
        Ligou para a floricultura e encomendou as flores. Foi para o quarto, despiu o traje de noite, e mergulhou num daqueles banhos que as mulheres costumam passar tempo indefinido imersas. Banho de sais e muita espuma. “Nada mais relaxante após uma noite de prazer intenso”, pensou ela.
        Após o banho, enrolou-se numa toalha. Foi quando seu coração bateu sobressaltado. Era dezesseis de abril, já ia dando por esquecida a data do falecimento daquele que pousava a seu lado no porta retratos. A tristeza invadiu-lhe a alma e lágrimas marejaram-lhe a vista.
        Recostou-se na cama e, por alguns momentos, fixou o olhar nos raios de sol que atravessavam pela cortina esvoaçante do quarto.
        Em seguida, dirigiu-se ao guarda-roupa, pegou de uma antiga caixa de papelão revestida com papel de presente. Abriu-a trêmula e retirou dela um maço de cartas enroladas numa fita.
        Guardava aquilo consigo há mais de vinte anos. Tomada de estranha sensação não de saudade, mas sim, de revolta consigo própria. Indignada com a fragilidade sua, de seus pensamentos, foi em direção à sala, e corajosamente ateou fogo à lareira.
        Então, uma a uma, as cartas foram lançadas às chamas, consumindo-se e resultando em cinzas.
        O retrato parecia ter vida, quando ao terminar de lançar a última carta, Alice repousou os olhos nele.
        Nesse instante, o telefone toca e tomada de susto, ela pega o fone. Do outro lado da linha, ouve uma voz que se apagaria com o tempo.  Disse-lhe:
        - Olá querida, só estou ligando para mais uma vez dizer que a noite de ontem foi mesmo sensacional. Porém, infelizmente, amanhã me ausento da cidade a negócios e não sei quando volto.
        - Não há problema querido, quem sabe haverá outra oportunidade, do contrário, só tenho a dizer que desfrutei também de uma noite inesquecível. Adeus.
        Pousou o telefone no gancho, e voltando para o quarto, vestiu uma camisola e adormeceu.



FIM

"UM POEMA"

CONFECCIONANDO A POESIA


Dá-se início à jornada,
Penetra-se floresta adentro
Sem temer a vasta e misteriosa,
Selva das palavras,
Onde vivem naturalmente todos os vocábulos.
Colhe-se espécimes raras,
Por vezes até arcaicas.
Caça-se pacientemente as mais ariscas,
Que feito serpentes traiçoeiras,
Escondem-se dentre
O emaranhamento das sílabas.
Sem deixar-se lograr,
Toma-se uma a uma,
E meticulosamente
Ata-se uma à outra.
E como se ebúrneas estatuetas fossem,
Ajeita-se todas,
Na estante morena da inspiração.

Ivan de Alencar

Recife - 1980

quinta-feira, 17 de março de 2016

"CRÔNICA POLÍTICA"

“De olho na política... De olho no Brasil”

A vertente atual em que nos encontramos conduz o governo petista a uma situação indefinida. Desanda avante provocando cada vez mais o descontentamento popular do povo brasileiro.
O Partido dos Trabalhadores e seus partidos coligados cada vez mais endurece sua cerviz e aos poucos parece ir de encontro a sua própria armadilha. Forjando subterfúgios e acumulando elementos legais junto ao judiciário. Prossegue como que de modo irônico e assustadoramente lacônico em seus objetivos.

Parece não se dar conta da realidade de um povo em fúria. De tal forma que, como se não bastasse sua sequência de atropelos políticos já há muito provando o descontentamento popular, o atual governo age como a querer rumar trilhas ainda mais arriscadas e perigosas. Prossegue cavalgando como um governo trotão por caminhos de forma generalizada que, a meu ver, findará induzindo-o de encontro a sua própria ruína.