terça-feira, 15 de março de 2016

UM CONTO

                            QUANDO CHEGOU AGOSTO


                                             “E AS FLORES SE RECUSARAM A MURCHAR...”
                               

                                             CAPÍTULO I



“Golpeie o machado com afinco, sólido tronco de um possível carvalho, golpe após golpe e na certa virá abaixo o carvalho,
Canse “aquele que o golpeia e na certa persistirá ele frondoso...”
    Eram as palavras que Elisa lia num livro em sossego no cair da tarde, enquanto esperava o marido Heitor para o jantar.
            Respeitável homem de negócios possuía um escritório no centro urbano da cidade em que moravam. Já Roberto seu filho, ainda não terminara o colegial e como os pais não cobrassem dele que ajudasse na manutenção da casa só estudava. Cediam-lhe inclusive modesta quantia para suas despesas mensais.
            Naquele dia em especial, Elisa não conseguia concentrar-se na leitura. Já passava das sete e meia da noite e Heitor ainda não chegara, o que era raro acontecer, no máximo as seis e meia ele costumava já estar em casa.
            - Roberto! – Chamou Elisa seu filho que estava em seu quarto no andar de cima de sua luxuosa residência.
            - Sim mamãe. – Respondeu este se apoiando no corrimão da escada.
            - Desça para jantar, seu pai talvez se atrase e não quero você comendo fora de hora.
            - Certo mãe. – Consentiu o rapaz que já beirava os dezessete anos.
            Elisa disse à empregada que servisse o jantar do filho e jantasse também. Estava dispensada e podia ir para seus aposentos. Ela mesma serviria o marido quando este chegasse.
            Tomadas essas providências, regressou Elisa para a sala, pegou o telefone e discou o número do escritório do marido.
            - Alô – Atendeu uma voz feminina do outro lado da linha, tratava-se da secretária de Heitor.
            - Heitor ainda está aí Esmeralda? – indagou Elisa – ele até agora não chegou em casa.
            - Não, respondeu Esmeralda, já faz quase duas horas que ele saiu.
            - Ele comentou se ia passar em algum lugar antes de vir para casa?
            - Não, não disse nada.
            - Obrigada então Esmeralda, você já deveria ter ido para casa, não deveria insistir em trabalhar tanto.
            - Há muito serviço acumulado, estou tentando por tudo em dia.
            - Está certo, mais uma vez obrigada Esmeralda.
            - Por nada dona Elisa.
            Já passava muito das oito e Elisa começou a preocupar-se, pois o marido nunca se atrasara tanto antes. Procurou tranqüilizar-se dizendo a si própria que talvez houvesse encontrado  algum amigo, ou coisa parecida e esqueceu-se do tempo.
            “Vou tomar banho”, decidiu-se, “assim não fico nessa ansiedade, e quem sabe ele chegue antes mesmo que eu saia do chuveiro”.
            Tomou seu banho, desceu novamente para a sala e assustada olhou para o relógio. Já ia dando dez horas.
            Começou então a imaginar o que teria acontecido. Não atinava em nada que justificasse aquele atraso. E porque não telefonava? Caso houvesse encontrado algum amigo, ou se tivesse marcado algum compromisso de última hora após o trabalho?
            Foi quando soou a campainha e Elisa sentiu seu coração disparar. “Quem poderia ser?” pensou consigo. Foi até a porta destravou o trinco e rodou a chave, ao abrir deparou-se com um policial de trânsito.
            - Boa noite senhora – disse o policial.
            - Boa noite – respondeu Elisa.
            - Essa é a residência do senhor Heitor?
            - Isso mesmo – respondeu Elisa com voz trêmula. – Aconteceu alguma coisa com ele?
            - Sinto muito senhora. O senhor Heitor foi atropelado às seis e quinze da tarde, em frente ao edifício Apolo XI, ao atravessar a avenida. O que a senhora era dele?
            - Esposa, eu era sua esposa... – Repetiu Elisa, e ocultando o rosto com as mãos, acrescentou contendo as lágrimas – Por favor, leve-me até onde ele está.
            - Devo participar-lhe que não sobreviveu ao acidente.
            - Eu já imaginava, fale baixo por favor, não quero que meu filho acorde. Só peço que me leve até ele.
            - Pois não senhora – acrescentou o policial.
            - Espere só um momento enquanto ponho uma roupa. Sente aqui mesmo na sala.
            Elisa sentia o corpo trêmulo, mesmo assim subiu as escadas em direção ao quarto, pegou o primeiro vestido que encontrou no guarda-roupa. Vestiu seu casaco e desceu as escadas, apoiando-se no corrimão.
            Agosto principiava e o frio era intenso. Lembrou-se então de sua avó já falecida há muito e que aniversariava no início daquele mês, para muitos tidos como fatídico.
            - Podemos ir – disse ela ao policial de trânsito. – Desculpe, tem um lenço para me emprestar, preciso assoar o nariz.
            - Claro senhora – respondeu de forma sóbria o policial.
            Foi conduzida a um hospital, onde o corpo do marido jazia estendido sobre a mesa do necrotério. Elisa contemplou aquele rosto aparentemente tranquilo como se dormisse. Havia uma lesão na testa coberta por um curativo. Elisa não atinava no que fazer. Afinal não tinha parentes naquela cidade. Ao casarem-se deixou sua família para irem morar junto à família dele, pois era lá que se estabelecera como sucedido homem de negócios.
            “Terei que ligar para minha sogra. Meu Deus, como foi acontecer uma coisa destas”, e recordou o ar jovial de Heitor, como sempre alegre ao sair de casa para o trabalho pela manhã.
            Tomou coragem, foi até a recepção do hospital, identificou-se como esposa do falecido e perguntou è enfermeira se podia usar o telefone.
            - Pois não senhora – respondeu a moça.
            Discou o número da casa da mãe de seu falecido marido e aguardou.
            - Alô – respondeu uma voz sonolenta do outro lado da linha.
            - Glória?
            - Sim, é ela.
            - Aqui é Elisa.
            - O que aconteceu Elisa, porque está me ligando assim, no meio da noite?
            - Preciso que você venha até um hospital próximo ao edifício Apolo XI.       
- Qual o nome deste hospital? – Perguntou Elisa à enfermeira.
            - Hospital Rodrigo Alves – respondeu esta.
            - Hospital Rodrigo Alves, na avenida central, próximo ao Apolo XI será fácil você encontrar.
            - Mas pelo amor de Deus Elisa, o que aconteceu?
            - Chegando aqui conversamos, mas preciso que você venha.
            - Está certo, já estou de saída.
            Não passou-se meia hora e Elisa viu a sogra atravessar a porta do hospital.
            - O que houve Elisa? – indagou Glória em desespero, quem adoeceu, porque veio parar nesse hospital?
            - Heitor, Glória... Heitor foi atropelado e faleceu.
            Glória inclinou a cabeça no ombro da nora e principiou a chorar em desespero. Elisa por sua vez esforçava-se para não fazer o mesmo.
            - O que vamos fazer Elisa – disse Glória com a voz entrecortada entre palavras e lágrimas – O que vamos fazer – repetiu.
            - Acalme-se Glória, vou pedir a um médico que lhe dê um calmante.
            Glória já idosa  sentou-se num banco próximo e aguardou o médico.        
            Veio porém uma enfermeira que lhe estendeu um comprimido pequeno branco e disse:
            - Tome isso senhora. Vai  sentir-se melhor garanto.
            Glória tomou o comprimido e virando-se para Elisa perguntou:
            - E Roberto, onde está?
            - Dormindo, só fiquei sabendo do acontecido próximo das dez da noite.
            - Deus meu, meu filho, meu único filho. Como isso foi acontecer comigo? – Perguntou-se Glória um pouco mais calma, mas com lágrimas ainda a escorrer pelo rosto.
            - Deve avisar suas filhas Glória. Precisamos providenciar o enterro, a documentação e tudo mais.
            - Ligue para o marido de uma delas, aqui está a agenda que trago na bolsa. Um deles providenciará tudo.



                                     CAPÍTULO II



            Passou o enterro. Passou-se também agosto. Elisa embora não demonstrasse, ocultava uma saudade extrema do falecido marido. Roberto, ainda jovem, sentia falta do pai, mas procurava distrair-se com os amigos. Glória viúva que era mudou-se para a casa de uma das filhas.
            Os negócios da família Elisa entregou nas mãos de um antigo sócio   de Heitor, no qual confiava e sabia que daria andamento ao que dizia respeito a parte do marido no escritório.
            Os anos passaram, Roberto completou vinte e um anos. Fazia portanto quase cinco anos que Heitor falecera.
            A família, católica que era, a cada ano na data da morte de Heitor mandava celebrar uma missa.
            Foi então que, no quinto ano, no dia da celebração da missa da morte de seu pai, Roberto ao regressar para casa, trouxe consigo uma jovem que na aparência devia ter a mesma idade que a sua e adentrando a  sala disse a sua mãe:
            - Mãe, essa é Marcela. Estamos namorando há algum tempo e pretendemos nos casar em breve. Isso, se não tiver nada contra.
            - Roberto, casamento assim, de uma hora para outra! – Exclamou Elisa.
            - O que tem isso demais mãe?
            - Bem, por mim se é isso mesmo que desejam não colocarei obstáculo.
            - Salve! – exclamou Roberto, tomando Marcela pela cintura e beijando-a de leve na boca.
            Dirigiram-se para o jardim aos fundos da casa e Elisa seguindo-os interpelou:
            - Já marcaram a data?
            - Não, mas garanto para a senhora que será em breve – respondeu Roberto.
            - Está certo – disse Elisa regressando para a sala.
            Olhou então para um retrato do marido  que conservava sobre a lareira e pensou consigo: “o que eu não daria para ele estar aqui nesse momento. Ficarei sozinha nessa casa imensa. Deus do céu, o que será de mim?”
            Casara-se apaixonada por Heitor e foram mais de quinze anos de uma convivência feliz e sem tribulações. Só tiveram um filho que foi Roberto, e agora Elisa sabia que tudo seria diferente.
            Embora se considerasse ainda nova, não chegara aos quarenta e cinco, sabia lá em seu íntimo incapaz de se casar novamente. E a viuvez não a assustava. As recordações que guardava de Heitor, sabia mais que suficientes para conduzi-la vida afora até a velhice, caso chegasse a alcançar a idade da sogra que já estava próxima aos oitenta.
            Nisso Roberto atravessou a sala e interrompendo seus pensamentos disse:
            - Vamos até a casa de Perseu.
            - Não demore, amanhã é segunda-feira e você se levanta cedo para o trabalho.
            - Certo, lá pelas oito garanto estar de volta.
            Perseu era o grande amigo de Roberto. Com o qual dividia sua intimidade de rapaz solteiro e com quem costumava sair para divertir-se vez por outra. Não morava muito distante de sua casa.
            Roberto disse a Marcela:
            - Bem, já são seis horas, deixo você em casa, vou ter com Perseu e no sábado  nos encontramos.
            - Só no sábado? – Retrucou a moça.
            - Você sabe que trabalho e estudo, portanto quase não tenho tempo durante a semana. Porque insisti nisso, parece até que começamos a namorar ontem. Lique-me a hora que quiser eu não me importo já disse.
            - Mas...
            - Até sábado – disse Roberto – beijando a moça, dando as costas e seguindo rumo à casa do amigo.   
            Marcela era o tipo da moça fútil e leviana. Conquistara Roberto por sua condição social, bem como por uma disputa com uma rival. Deu de ombros e entrou em casa. Foi direto para o quarto que  repleto de posters de artistas, e outras futilidades do gênero, combinavam com sua personalidade.
            - Você dará uma ótima professora – costumava dizer o pai que a mimara desde cedo. Mal sabia ele de sua aversão por crianças.



                                     CAPÍTULO III

  
   
            Perseu era pouco mais velho que Roberto, tinha vinte e três anos. Eram amigos desde o ginásio. Embora Roberto fosse um rapaz bonito e atraente, Perseu o superava neste aspecto. Loiro, olhos verdes, cabelos cacheados, físico atlético e de estatura mediana, sempre fez sucesso com as garotas.
            Sua amizade com Roberto era de uma fidelidade inquestionável. A principal qualidade de Perseu, para um rapaz com seus atributos físicos, era a modéstia. Nunca traíra uma namorada. Era como se seus próprios encantos em relação às mulheres, lhe passassem completamente despercebidos.
            O mesmo já não se dava com Roberto, que era do tipo conquistador. Certa vez quando conversavam Perseu chegou a dizer a Roberto que não pensava em casar-se cedo, ao que o outro retrucou, “logo você que tem sempre inúmeras garotas aos seus pés” ao que o outro respondeu “nem por isso cedo a todas elas”.
            Neste domingo em especial Roberto encontrou Perseu sentado nos degraus de casa, com seu cachorro ao lado e o olhar perdido no vazio.
            - Olá Perseu – exclamou Roberto em voz alta, como a querer despertá-lo.
            Este deu um  sobressalto e revidou indignado:
            - Quer me matar de susto?!
            - Desculpe não era essa minha intenção – disse o outro.
            Roberto sentou-se a seu lado e tentou puxar papo, mas Perseu respondia a suas palavras por monossílabos: ora um sim, ora um não, ou um talvez, o que principiou a irritar o outro.
            - O que se passa com você? Se não está a fim de conversar diga logo de uma vez que vou embora e nos vemos outro dia.
            - Prefiro assim... – Respondeu Perseu, com o olhar perdido no vazio.
            - Está bem vou me embora, outra hora conversamos.
            E se foi desapontado com o comportamento do amigo.
            O outro logo que se viu mais uma vez sozinho. Levantou-se, estalou os dedos para o cão e seguiu pela calçada com este a seguir seus passos. “O que preciso mesmo é de um tempo. Sair deste lugar, viajar. Tudo aqui me entedia. Estou mesmo decidido a abandonar trabalho e estudos. Direi a meus pais que preciso arejar as idéias. Espero que eles não coloquem objeção. Pedirei a meu pai uma quantia que me possibilite um mês ou dois sozinho, ausente daqui e então verei o que farei”, eram esses os pensamentos do rapaz enquanto caminhava.
            Deu a volta ao quarteirão e voltou para casa decidido a expor a questão aos pais. Teve sorte de seus dois irmãos mais novos não estarem em casa. Perseu procurou colocar as coisas de forma a não assustar os pais. Disse apenas que se sentia cansado e precisava viajar um tempo para poder organizar melhor suas idéias, até mesmo pensar em seu próprio futuro.
- Não se preocupem eu tranco a matrícula na faculdade. - Conclui o rapaz.
            Ao que seu pai respondeu:
            - Bem, se é realmente isso que você deseja, tudo bem lhe arranjo o dinheiro.
            - Eu lhe agradeço papai, o que o senhor puder me arranjar, mais meus direitos trabalhistas sendo demitido, pois vou ver se faço um acordo, me serão suficientes. Já conversei com meu chefe, expus a questão. Ele não se opôs a demissão.
            Dito isto, acrescentou um boa-noite e retirou-se para o quarto.
            Mais tarde sua mãe o procurou perguntando se não iria jantar. Ao que ele respondeu:
            - Não, estou sem fome.


      
                                       CAPITULO IV



            Perseu principiava a enfrentar um problema com o qual haveria de se debater por um longo tempo.
            Ao ver-se fechado no quarto, sentiu-se sufocar, abrindo a janela e a cortina. A noite principiava a cair e ele não conseguia atinar no que tanto lhe inquietava. Não conseguia fixar seu pensamento em nada de concreto, de ordem prática. A única coisa que sentia era um tédio insuportável e tudo lhe parecia insatisfatório. Não sabia se quer para onde iria, ou para onde queria ir.
            Já fazia algum tempo que se encontrava nesse estado de espírito. Pensou em dividir isso com Roberto, mas além de não querer preocupar o amigo, temia que este não compreendesse sua situação e viesse com argumentos do tipo: “Isso passa, você deve se descontrair, se divertir mais”, enfim coisas do gênero.
            Perseu sentia que uma solidão profunda se apossava dele. Bem como, nada mais lhe despertava interesse. O trabalho, os estudos, os esportes; já há muito rompera com a última namorada. Enfim, se via num verdadeiro impasse.
            Só tinha certeza de uma coisa. Precisava mudar-se daquele local, ou pelo menos retirar-se por um tempo. Era isso que acreditava lhe traria de volta a alegria de viver. Pois uma tristeza vinda não sabia de onde se apossara dele.
            Naquela mesma noite pegou uma mala de viagem e começou a selecionar algumas roupas. Viu sua raquete de tênis na parede e por um impulso qualquer juntou-a à bagagem. “Partirei o mais breve possível, só preciso mesmo é decidir-me por um local onde me alojar por um tempo”, foi o que pensou consigo.
            Encontrou um guia turístico e começou a folheá-lo. Deu então com a indicação de uma cidadezinha serrana no interior de um estado não muito distante do seu. A propaganda do guia dizia haver pensões a preços módicos. Por tratar-se de locais que proporcionavam três refeições e alojamento concluiu ser o ideal. 
            “É para uma dessas cidades que irei, não importa qual” disse para si próprio e em menos de dez dia partia em viagem. Pediu a seus pais que caso Roberto o procurasse dissessem somente que precisou ir visitar um parente. Eles não se opuseram. Desejaram felicidades ao filho, rogando que não deixasse de dar notícias e regressasse em breve.
            O acesso à pequena cidade escolhida se dava de trem. Foram praticamente dois dias de viagem.
            Quando se viu descendo na estação de trem, deparou-se com uma pequena vila, da qual a única coisa que sabia é que ficava no alto de uma serra.
            Informou-se de uma pensão próxima e lhe indicaram uma que poderia fazer o caminho a pé.
            Não demorou  vinte minutos e Perseu tocava a campainha do local. Uma senhora de uns cinqüenta anos veio atendê-lo.
            - Gostaria de um quarto por favor.
            - Para uma só pessoa ou prefere dos mais baratos, temos até para três pessoas por quarto.
            - Para uma só pessoa – respondeu Perseu.
            - Quanto tempo vai ficar?
            - Não estou certo de quanto tempo – acrescentou.
            - Bem então são pelo menos dois meses adiantados.
            - Não há problema, pago os dois meses.
            Fez o pagamento e a senhora então lhe entregou a chave dizendo:
            - Segundo andar, quarto vinte e nove. Banheiro no corredor.
            - Está ótimo – consentiu o rapaz e dirigiu-se para o quarto.



                                    CAPÍTULO V



            Deixemos por ora Perseu em seu novo e recente habitat, e regressemos a Elisa que a essa altura se via envolvida com os preparativos do casamento do filho.
            Já se dera conta do tipo de moça que se tratava sua nora, mas não interferiu em nada. Ademais conhecia o filho e sabia que não adiantaria argumentar quanto a futura esposa. Ainda se tratando, ela estava certa, de que ele estava completamente apaixonado e iludido por aquela garota fútil.
            Nem por isso deixou de lamentar a possível infelicidade deste, quanto aquele enlace que não podia prever em que resultaria.
            Sua sogra Glória falecera e agora Elisa se sentia mais solitária e saudosa do marido.
            Roberto casou-se e partiu para sua lua-de-mel. “ Por sorte,” pensou Elisa, pelo menos continuará residindo aqui mesmo na cidade, segundo me disseram. Ao menos assim não me verei completamente ilhada.
            Roberto devido ao casamento, nem se quer demonstrou curiosidade devido a viagem repentina de Perseu.
            Passados seis meses do casamento de Roberto e Marcela, tudo transcorria sem grandes novidades, exceto com o fato de que Perseu enviou uma carta aos pais, comunicando que pretendia permanecer ausente pelo menos por uns três meses. O que os deixou inquietos, pois na carta o rapaz foi sucinto, sem entrar em detalhes se estava bem alojado, se não lhe faltava nada. Só prometia à mãe que ligaria de vez em quando.
            Elisa desde a morte de Heitor fazia visitas rotineiras ao escritório que fora do marido, para se inteirar se os negócios iam bem. Trocava algumas palavras amistosas com Esmeralda e se retirava.
            Incentivara Roberto a assumir o posto do pai no escritório, mas este que cursara Engenharia, dizia que preferia seguir sua profissão e quem sabe no futuro vir a ter seu próprio escritório ou empresa.
            A pobre de Elisa passou a ver-se cada vez mais só como previra. Pois o filho após o casamento raramente lhe visitava e quando o fazia vinha sempre na companhia da irritante Marcela, que demonstrava verdadeiro desdém pela sogra. O que tornava as visitas do filho insuportáveis.
            Certo dia Elisa decidiu ligar para Esmeralda no escritório e convidá-la para um chá no final de semana. Afinal, já há anos permanecia naquele emprego e merecia sua consideração.
            Principiou assim uma amizade entre as duas mulheres, que embora de classes sócias diferentes, relacionaram-se amistosamente logo de imediato.
            Esmeralda era praticamente da mesma idade de Elisa. E o que as diferenciava  além da condição social, era o fato de que Esmeralda, mãe de família mantinha aquele emprego para ajudar o marido nas finanças. Estudara pouco, concluíra um curso básico de secretariado e estabilizou-se no primeiro emprego. No qual permanecia até então.
            Apesar desses detalhes, e dos mundos diversos em que estavam inseridas as duas, isso não impediu que se tornassem amigas. E assim o peso de ver-se  sozinha diminui para Elisa com as visitas de Esmeralda que se tornaram freqüentes.

 
 
                                   CAPÍTULO VI



            Foi então que no verão em que completava oito meses que Perseu havia deixado a família, sua mãe caiu doente de uma hora para outra. Foi procurar um médico e este pediu para conversar com seu marido.
            Ele assim que pôde foi ter com o médico e ouviu de forma séria e incisiva o seguinte:
            - Sua esposa está com um problema sério e é bom que o senhor se prepare, não posso lhe garantir que ela viverá por muito tempo.
            O homem aturdido indagou do médico:
            - O que ela tem doutor, por favor não me esconda nada?
            - Ela tem um câncer no útero em estágio avançado. Talvez não chegue mesmo a resistir por muito tempo. Sinto muito, o senhor tem filhos?
            - Três – respondeu o homem, acrescentando – graças a Deus já estão numa idade considerável, o mais novo está com dezesseis.
            - Creio que deva participar isso a eles. Quanto a sua esposa o senhor decide se comunica o senhor mesmo ou eu.
            O pobre do pai de Perseu retirou-se e em poucos dias regressou ao hospital com a esposa que permaneceu internada e não resistiu por muito tempo vindo logo a falecer.
            Elisa, Roberto e Marcela, estiveram no enterro e regressaram para casa inconformados com a ausência de Perseu.
            - Ele deve ter arrumado alguma mulher por aí o qual lhe virou a cabeça. Comentou Marcela.
            Ao que ambos, Elisa e Roberto, permaneceram calados.
            Passados praticamente menos de um ano do falecimento da mãe de Perseu, para espanto de todos, seu pai contraiu matrimônio com outra mulher.
            Os filhos não encararam com bons olhos a atitude do pai, porém nada disseram.
            O pai de Perseu em seu íntimo  julgava um absurdo a indiferença de seu filho primogênito, que permaneceu distante mesmo após o falecimento da mãe.
            Roberto progredia em seus negócios, embora esbanjasse dinheiro com sua “glamorosa” Marcela.
            Elisa e Esmeralda levavam a vida adiante em seu relacionamento de amizade. Esmeralda vez por outra tocava no nome do falecido Heitor, e falava de forma indignada, que não se conformava com o fato de Elisa, uma mulher  ainda  tão jovem e atraente não cogitasse na possibilidade de um outro casamento. Ao que Elisa dizia, que isso para ela seria trair a memória do marido.
            E assim, foi passando o tempo e transcorreram os anos. Aquele fatídico agosto em que  Heitor deixou este mundo ficou para trás.


                                       
                                 CAPÍTULO VII




            Regressemos agora a Perseu que é o que realmente interessa. O leitor talvez esteja curioso em saber o que se deu desde o dia em que se instalou naquela pensão distante.
            Esclareço que Perseu teve sorte quanto  ao local, bem como quanto a modesta pensão em que conseguiu instalar-se, pois como disse os custos da estadia naquele  era mínimo.
            Passado menos de um mês que se instalara na pensão da pequena vila, conheceu um homem de cerca de quarenta anos de idade, que dividia o quarto com outro e que lhe foi apresentado, mas não mantiveram nenhum contato imediato.
            Diogo chamava-se o indivíduo e de forma intrigante veio a ter grande influência sobre Perseu, chegando mesmo ser a peça chave, no que viria a ser o desfecho do impasse que conduzira o rapaz a isolar-se naquela cidade no alto da serra.
            Logo que travaram amizade, Perseu e Diogo começaram a fazer passeios freqüentes pelos arredores da pequena cidade, enveredando-se os dois pela mata serrana não muito densa, que cobria as proximidades da vilazinha.
            Diogo era um homem peculiar. Vindo de uma família de classe média, chegara a ser seminarista, embora grande parte de sua família fosse protestante. Logo de início perguntou a Perseu sua religião, ao que o outro respondeu ser católico não praticante, porém respeitava os dogmas do catolicismo romano. Depois perguntou ao rapaz se este sabia a origem mitológica de seu nome ao que o jovem respondeu desconhecer.
            O erudito ex-seminarista então lhe esclareceu: “Perseu, foi um semi- deus, filho de Zeus o pai dos deuses com uma mortal e seu maior feito foi derrotar a medusa, monstro com serpentes que rodeavam a cabeça e que transformava aqueles que o contemplavam em pedra.
            Perseu o interrompeu e disse:
            - Não estou deveras interessado na origem de meu nome. Para seu conhecimento retirei-me para este lugar, porque me vi tomado por um impasse. Cheguei mesmo a pensar que estivesse adoecido, e temi que se não tomasse providências, daria cabo à vida com minhas próprias mãos.
            Ao que Diogo replicou:
            - Imagino então que passou por momentos de extrema aflição de espírito.
            - Não sou capaz de descrever o desespero e a angústia que se apossaram de mim por dias, antes que chegasse a esse lugar. E o pior é que mesmo agora ainda me sinto perdido .
            Tive ideais no passado, tracei planos. Sou jovem ainda, não cheguei se quer aos vinte e cinco anos. No entanto, habita em meu íntimo, ou começou repentinamente a habitar, como que uma desmotivação para com a vida. Senti-me tomado de profunda tristeza, e o que mais me afligia  é que minha mente se perdia num vazio, num verdadeiro vácuo de idéias, só havia em mim uma insatisfação para a qual não encontrava justificativa.
            Então decidi abandonar  estudo e trabalho e retirar-me para este lugar.
            Diogo então acrescentou:
            - Olhe Perseu, em minha opinião, o primeiro passo a dar, é repensar com calma toda sua vida. É necessário que consiga descobrir o que lhe causava aflição antes de vir para cá. Qual seria o possível motivo de sua angústia. O que lhe conduziu a tamanha insatisfação, eu diria não só com a vida, mas consigo próprio.
            Caso não consiga respostas para estas perguntas terá sido em vão deslocar-se para cá.  Pense a respeito do que lhe digo. Você que se disse  não  interessado na origem de seu nome, eu peço que ouça com atenção: “Perseu tinha que dar cabo de um monstro, a Medusa. Seu pai Zeus e outros deuses sabiam que sem o auxílio das divindades do Olímpio isso lhe seria impossível. Então, inúmeros deuses forjaram armas para que Perseu pudesse enfrentar a Medusa e derrotá-la. Um lhe proporcionou setas e aljava, outro lhe proporcionou escudo, outro um elmo. Enfim, toda uma armadura lhe foi concedida. Armadura sem a qual teria sido impossível ele derrotar o monstro.
            No seu caso, você se quer consegue identificar o monstro, quem dirá então ter acesso às armas necessárias para derrotá-lo.
            Reflita nisso e se quiser num outro momento voltamos a falar no assunto.
            - Eu lhe agradeço Diogo. Você demonstrou ser uma pessoa digna de confiança, prometo que vou refletir no que me disse. Perseu se quer deixou de mencionar ao amigo que havia recebido uma carta na qual ficou sabendo do falecimento de sua mãe.
            - Ótimo – concordou Diogo, e acrescentou. – Agora creio que é melhor deixá-lo só para que possa refletir no assunto. Nos vemos à hora do almoço ou à noite à hora do jantar na pensão. Até mais.
            - Até mais Diogo – disse Perseu, enveredando por uma trilha que lhe conduzia para o interior da mata serrana.
            Perseu alcançou um local no alto da serra, de onde podia ver um vale lá em baixo. Recostou-se no tronco de uma árvore. E imóvel, olhando a paisagem, procurou voltar ao passado, bem como vasculhar em seu íntimo com cuidado, e dar atenção as emoções e sentimentos que lhe ocorriam.
            Lembrou-se que tivera um sonho com sua mãe. No sonho esta procurava alcançá-lo com as mãos, ao mesmo tempo em que Perseu como que conduzido em direção a um espelho. Fixava  o olhar no espelho porém antes que pudesse identificar qualquer reflexo acordou.
            Analisou consigo o sonho e concluiu: “Minha mãe... Eu deveras a amava. Só não gostava quando ela se referia a mim como: “olhe só esse meu filho, não sei a quem puxou com esse semblante encantador  e esses radiantes olhos azuis”. Seria isso que deveria se dar conta no espelho do sonho, que possuía um rosto encantador.
            Isso era tolice, ponderou ele, sempre achei natural ser um pouco diferente de meus irmãos, mas julgo que narcisismo não é o meu caso.
            Mas porque sua mãe buscava tocá-lo com as mãos, parecia querer socorrê-lo de alguma coisa. Sim era isso. No sonho ela lhe estendia as mãos não lhe pedindo socorro, mas para socorrê-lo de alguma coisa.
            E perdido assim em seus pensamentos, não se deu conta do passar das horas e terminou regressando à pensão após o meio-dia, perdendo assim o almoço. Procurou então um lugar para comer alguma coisa. No caminho um cachorro cruzou com ele e recordou-se do seu que deixara para trás. Nesse instante sentiu que sua ansiedade aumentou, bem como lhe veio uma intensa angústia. Fechou os olhos, como se quisesse afastar si aqueles sentimentos que o incomodavam. Foi quando lhe veio à memória uma cena. Uma cena que há muito permanecera esquecida em seu inconsciente. Ainda pequeno via sua mãe no portão de casa a esbravejar com um homem que desconhecia, este por sua vez, revidou suas palavras lhe acertando a mão  no rosto. Dando um tapa tão forte que esta se desequilibrou sem cair.
            Não tinha idéia há quanto tempo se dera esse fato, só sabia que era ainda criança, lembrava-se de haver corrido em direção da mãe, e o homem ao vê-lo, cuspiu na calçada junto ao portão e retirou-se.
            Agora parecia que as coisas começavam a desnublar-se em sua mente. Recordava o sentimento de quase repulsa que por vezes sentia da mãe, quando essa se punha a exaltar sua aparência de rapaz bonito e atraente. Via nisso um certo descaso. Percebia em suas palavras certo tom de ironia disfarçada.
            E quem era aquele homem que surgido do nada esbofeteou sua mãe, desaparecendo depois para não mais voltar. E porque esta cena permaneceu por tanto tempo oculta em sua memória, para só agora regressar.
            E percebeu que a lembrança desse fato lhe provocou um certo sentimento de remorso por não estar junto a seu pai e seus irmãos nesse momento. Na verdade o que fizera fora abandoná-los.
            Deu-se conta também da facilidade com que superou a notícia da morte da mãe. Sentira sua morte, mas lembrara-se que sentira uma espécie de alívio quando soube de sua morte. Sem recriminar-se por isso. Antes respirou até mais aliviado com a notícia. Isso agora o chocava.



                                     
                                     CAPÍTULO VIII




            E foi recordando-se desse episódio remoto de sua infância, que Perseu começou a divisar com certa medida de nitidez o monstro que o atormentava.
            “Sim, realmente nem se quer cheguei a me apaixonar por garota alguma. Não amei nenhuma. Só houve sexo e nada mais”.
            “Já passo dos vinte e cinco, em breve completo vinte e seis, e jamais soube o que é amar uma mulher”, foi o que concluiu consigo próprio.
            Deu-se conta também que embora sentisse saudades do pai e dos irmãos, preferia permanecer distante. Ao menos por mais um tempo. Sabia que a quantia modesta que seu pai lhe arranjara não fazia falta à família. E se pedisse mais seria ele inclusive capaz de enviar-lhe. E quanto aos irmãos já eram como ele homens feitos, não representando peso para o pai.
            Como comunicava-se pouco com a família, não atinava em que pé estavam as  coisas. Sabia de sua madrasta porém não tinha curiosidade de conhecê-la.
            Lembrou-se com certa medida de saudade de uma de suas namoradas. Mas o pensamento logo foi substituído por outro, que lhe fixou as idéias. Diogo estava certo no que lhe disse, e ele agora começava a desvendar o mistério, ou parte dele. Ter idéia do que o conduzira a deixar sua cidade rumo àquela cidade serrana.
            Havia almoçado e caminhava solitário por trilhas que já havia decorado na mata que cercava a vila. Sempre tivera cuidado em não enveredar por caminhos que não sabia onde iam dar, evitando portanto o risco de se perder.
            Já era tarde, passava das duas horas e pensou consigo: “Vou regressar e quem sabe encontro Diogo na pensão e então conversaremos um pouco”.
            Teve sorte. Chegando lá informou-se com a mulher que costumava alternar os horários no balcão com o filho e Diogo estava no quarto que compartilhava com outro hóspede.
            - Pode chamá-lo para mim – solicitou ele.
            - Vá você mesmo até lá. Basta bater na porta e ele atenderá.
            - Está bem. – Concordou Perseu.
            Dirigiu-se ao quarto de Diogo bateu na porta e ouviu uma voz vinda do interior exclamar:
            - Quem é?
            - Perseu – respondeu este.
            - Um momento.
            Diogo abriu a porta surpreso e estendeu a mão para o rapaz que retribuiu o gesto.
            - Cheguei a pensar que não nos tornaríamos a nos falar. Pois você pouco valor aparentou ter dado a minhas palavras.
            - Sim... - Respondeu Perseu, acrescentando -  Você está ocupado no momento, ou podemos ir até lá fora conversarmos mais um pouco?
            - Claro, aguarde só um instante – disse Diogo. Perseu pode ver que havia outro homem sentado numa das outras camas do quarto. Diogo disse a este que precisava sair por uns momentos e mais tarde voltariam a se falar.
            Saiu para o corredor, cerrou a porta do quarto atrás de si e seguiu Perseu rumo  as escadas que davam acesso a saída da pensão.
            - Bem – foi dizendo Diogo – espero que tenha novidades.
            - Sim, na verdade você foi um amigo em tanto. Pensei muito em tudo que me disse e creio que começo a desvendar parte do mistério que me fez vir parar neste local.
            - Fico satisfeito em ouvir isso. Já é um belo começo. E se deseja partilhar comigo o que principia a desvendar esteja à vontade. Pode confiar em mim, se servir como argumento, lembre-se que quase vim a ser um padre. Portanto pode contar que o que disser ficará entre nós.
            - Isso me deixa mais tranqüilo ainda, porque na verdade, o que tenho a lhe dizer são detalhes íntimos, os quais não gostaria que comentasse com ninguém.
            - Não se preocupe – assentiu Diogo. – Assim como deposita confiança em mim, desejo tornar-me seu amigo e ajudar-lhe no que estiver a meu alcance, esteja certo disso.
            - Fico  feliz em ouvi-lo dizer isso – replicou o outro, acrescentando – Há um bar aqui perto, poderíamos ir até lá. Você bebe alguma coisa?
            - Uma vez ou outra. – Respondeu Diogo.
            - Então vamos até lá. Faz calor e podemos tomar uma ou duas cervejas enquanto conversamos. 
            - Para mim está ótimo – consentiu este.
            E partiram ambos rumo ao bar. Principiava aí, a amizade que haveria de resgatar Perseu do impasse em que lhe colocou o destino. E mais tarde haveria de  sentir-se feliz por aquele amigo ter cruzado seu caminho, pois fora ele que conduzi-o a resgatar-se do rumo que sua vida tomou ao partir daquela vila. Foi aquele amigo que o fez enxergar as veredas se abrirem em sua existência, saindo da encruzilhada na qual estacionara.
            Perseu participou a ele tudo que se passara por sua cabeça desde que se viram pela última vez.  A recordação da infância, o sonho e a interpretação que fizera deste, as recordações que conservava de sua mãe; em fim não ocultou nada.
            Diogo ouvia tudo com atenção. Esperou Perseu terminar seu relato. E quando houve silêncio entre os dois, acrescentou com voz calma e serena:
            - Meu caro amigo, acredito que você agora está começando a delimitar as dimensões do provável monstro que o tem assombrado. Como começa a desvendar também o mistério que envolvia toda a sua insatisfação para com a vida. Ou o vazio que você disse que se apossou de você.
            Eu sou um homem que embora tenha abandonado o caminho do celibato, continuo a crer em Deus, um Ser Supremo que tem poder sobre tudo que há. Creio ainda que homem algum possa realmente alcançar a felicidade se não der ouvidos a sua alma. Se não saciar a sede de Deus que há nela. O anseio do espírito que habita em cada um de nós, e nos conduz a verdadeira felicidade. Não sou um simples prosélito, não é de meu interesse conduzi-lo a esta ou àquela crença. Só você é capaz de descobrir qual é o caminho que o conduzirá a Deus, ou onde jorra a fonte que saciará a sede que afirmei haver na alma de todo homem. Sede de Deus creio eu, e se não saciá-la em vida, morrerá sem se quer ao menos ter um vislumbre daquilo que seria ou deveria ter sido sua missão aqui na terra.
            Não exijo como condição para nossa amizade que você concorde com minhas palavras, não, isso não é necessário. Creio que todo homem é senhor de seu livre arbítrio, como também é único perante Deus. Sendo assim, mesmo que diga que não crê num Deus, ou não vê sentido em minhas palavras eu respeitarei. Só acrescento o seguinte, tudo será mais fácil se você ponderar em seu coração a possibilidade da existência de Deus. Garanto que só em admitir essa possibilidade, já encontrará grande alívio para seu sofrimento, seja ele de que natureza for.
            Penso ainda que a filosofia é um ótimo ponto de partida para aqueles que, sem dar-se conta, vêem-se em situações como a sua, em que de repente a vida parece tornar-se motivo de que se fuja para algum lugar, pois a dor e o sofrimento, ou mesmo o vazio como você citou, assombra a existência ou despe de significado a vida.
            Perseu não sabia o que responder ao amigo. Em verdade nunca parara para pensar com seriedade em nada daquilo que ouvia. E sentiu que precisava  de um tempo para não só refletir no assunto, bem como para ir mais fundo em si próprio, pois o que sentiu na verdade é que pouco ou quase nada conhecia de si mesmo. Não pensou tanto na possibilidade da fé num Deus, antes o que lhe chamou a atenção foi o fato de que sentia necessidade de estar só por mais tempo, pois algo lhe dizia que muita coisa havia oculta dentro dele, das quais não tinha consciência.
            As palavras do amigo eram sem dúvida confortadoras e não desprezou o que ouviu de Diogo, porém não sabia se no momento tinha uma resposta para aquilo que ele lhe colocou. Não podia dizer sim ou não, a questões como se acreditava ou não num Deus. Ou se seria este o caminho pelo qual se resgataria de seu dilema atual. Mas brotou nele a esperança de que  poderia resgatar-se do  sofrimento que o envolvia. Sentiu que a resposta estava em seu interior, e só lá, em nenhum outro lugar encontraria saída para o que se abatera sobre ele. E isso já lhe bastava no momento.
            - Sou grato a você Diogo. Realmente prometo  que refletirei em tudo que me disse, e penso que você tenha mesmo uma parcela de razão naquilo em que diz. Por ora, é o que posso lhe dizer em relação a tudo que me você me falou.
            Dito isto os dois amigos deixaram o bar e saíram rumo à pensão pois já se aproximava a hora do jantar.



                                   CAPÍTULO IX



            Elisa descobre que a felicidade em fim bate novamente a sua porta. Marcela engravidou. Seu filho Roberto iria lhe dar um neto.
            Acompanhou de perto a gravidez da nora convidando esta a vir passar os últimos meses de gestação em sua casa. Ao que Marcela não se opôs.
            Nascida a criança, um menino, Roberto concordou com a mãe em por no filho o nome de Heitor, em memória do pai.
            Como desfrutava de uma casa ampla, com inúmeros quartos, Elisa sugeriu ao casal que se mudassem para sua casa. Assim, dispensariam a possibilidade de uma baba, bem como ela trataria de cuidar da criança. Marcela de imediato consentiu com a idéia e incentivou o marido a aceitar o convite da sogra. Elisa já previra que seria assim, e foi com grande alegria que os instalou em sua casa. Lá em seu íntimo temia pela educação
do neto, caso fosse deixado aos cuidados da nora, que apesar de mais amadurecida, não alterara em nada seu comportamento de mulher fútil e superficial. Não entendia como o filho parecia não dar-se conta disso, ou simplesmente não se importar.
            Pediu permissão para Roberto a fim de que pudesse convidar Esmeralda para ser madrinha do menino, o padrinho ele poderia escolher. Ao que ele também não se opôs e Marcela fez vista grossa, não queria entrar em choque com o marido.
            O menino cresceu e era para Elisa a alegria de seus dias. Já completara três anos e ela, envolvida ainda pela ausência do marido, via no neto acentuarem-se cada vez mais os traços do falecido marido. Chegou mesmo a comentar com o filho que a criança puxara a seu pai.
            Quanto a isso, deixo entregue ao futuro definir o que tão cedo Elisa afirmava com convicção: “há de ser um homem trabalhador, honesto carinhoso e entusiasta como o fora para ela Heitor”, era o que dizia para si própria.
            Convêm ressaltar que Elisa mantinha também o hábito de vez ou outra ir ao túmulo do marido, onde passava longo tempo a embelezar o mausoléu com flores e até mesmo dialogar com o falecido: “você já tem um neto e ele puxou para você, ou  “ sei que onde quer que esteja está feliz por eu me manter fiel a nosso amor”, eram palavras que soltava ao vento, convencida de que onde quer que estivesse ele as ouvia.
            Por algum tempo foi realmente doloroso para Elisa ver-se viúva. Mas dotada de  nobreza de alma, aceitou a viuvez de forma sóbria e com o passar do tempo e o advento do neto, para ela era como se Heitor ainda continuasse vivo não só em sua memória, como pelo sentimento que conservava por ele. Para ela era como se ele houvesse se ausentado em viagem e a qualquer momento fosse ressurgir em casa. Adentrando pela porta e invadindo a casa com o entusiasmo que lhe era característico.
            Enquanto isso, lá na vila, na distante cidadezinha serrana, Perseu prosseguia em levar os dias a garimpar seu passado, ou simplesmente, através da ausência de contato com qualquer pessoa que lhe fosse por vínculo, ressuscitava como que uma parcela de si próprio, de seu eu que sentiu próximo a sucumbir no vazio e no desespero. Pois como confessara a Diogo, chegara mesmo a pensar no suicídio.
            A recordação da cena da infância, ele com sabedoria entregou ao passado não se dando ao trabalho de querer desvendar o mistério. Quanto ao que lhe disse o amigo Diogo sobre Deus, ele ponderou consigo próprio desnecessário aderir a qualquer credo para poder cultuar um Deus. Ele descobriu, que bastava olhar a seu redor para enxergar impressa na natureza uma prova da existência de um Ser Superior que na certa criara e preservava tudo aquilo.
            Começou a desfrutar aos poucos de uma paz que crescia mais e mais a cada dia. A cada passo que ele dava rumo a seu interior, descobria mais motivos para a alegria que para a tristeza. Conclui consigo próprio: se me olho no ao espelho me vejo perfeito e sinto também meu corpo saudável já por isso devo ser extremamente grato para com a vida. Se penso em minha condição humana, descubro que nunca agi com maldade em relação a pessoa alguma, mais um motivo para que renda graças  ao mesmo Deus que percebo na natureza que contemplo. Sinto-me senão puro,  ao menos inocente.
            E assim aos poucos, passo a passo, o pobre rapaz outrora acometido por algo que veio ao seu encontro de origem desconhecida, querendo destruí-lo, despedaçando ainda na juventude sua alma, principiou a recuperar-se ou vencer o medo de viver por um processo de incursão em seu próprio íntimo.
            As palavras de Diogo, considerava ele, podiam ter contribuído para que ele enveredasse com mais facilidade naquele rumo. Mas percebia que sem dúvida foi dentro de si próprio que encontrou o resgate da perdição a qual se viu compelido.



                                                 EPÍLOGO




            Assim finda aqui essa narrativa. Elisa reencontrou no neto a alegria que poderia tê-la abandonado com a perda do marido. Roberto e Marcela completavam-se um ao outro como duas faces de uma mesma moeda.
            O citado Diogo, ex-seminarista continuou seu caminho vida afora sem regressar ao celibato, sem também no entanto abandonar sua fé.
            Esmeralda, aposentou-se como secretária no escritório do falecido Heitor.
            Quanto a Perseu, que tomou conhecimento pelo pai ser filho adotivo, regressou para sua cidade natal resgatado de sua possível perdição.  Como previra, manteve-se solteiro. Conclui seus estudos adquiriu uma casa e deu continuidade a sua vida.
            As vezes é assim mesmo. Até mesmo as flores, fadadas a fenecer, se recusam a murchar.




FIM






Nenhum comentário:

Postar um comentário