terça-feira, 1 de março de 2016

UMA CRÔNICA

“AS SEIS FACES DO CUBO”


      Eurípides enfiou a chave no buraco da fechadura da porta, destrancou-a e rodou a maçaneta. Estendeu a mão até o interruptor e ascendeu a luz. Era já noite. Retirou o sobretudo encharcado pela chuva no caminho de regresso para casa e atirou-o numa poltrona da sala. Caminhou até uma pequena mesa de ébano e serviu-se de uma dose de whisky. Sentou-se no sofá e fixou o olhar no lustre do teto, que vazava luzes coloridas pelo ambiente.
     Cerrou as pálpebras e conservou-as assim por alguns minutos. Em seguida tomado de uma fúria repentina atirou o copo bruscamente num quadro que pendurado na parede a sua frente exibia uma paisagem bucólica. Pôs-se de pé a caminhar pelo ambiente, numa atitude de quem busca desnublar a mente de algum pensamento incômodo.
     Subitamente o relógio de pêndulo ao canto da sala bateu cadenciado, anunciando nove horas da noite. Mecanicamente Eurípedes levou a mão ao peito, soltou um suspiro lento e respirando profundo a seguir, decidiu-se pela escuridão. Apagou a luz do lustre no teto.
     Fechou e abriu as pálpebras e levando as mãos aos olhos, como a querer tornar mais escuro ainda o ambiente debulhou-se em lágrimas.
     Pranteou alto, aos poucos prostrou-se de joelhos no escuro, e deixou-se levar pelo pranto, até o deslizar das últimas lágrimas. Dor profunda assolava a alma daquele homem ainda jovem e robusto.
       Lentamente conseguiu se por de pé e tateou a parede em busca de ascender a luz. Desafogara-se de uma agonia mortal.
       Isso lhe sobrevinha com frequência. Era tomado de súbito por uma dor que dilacerava seu peito. Dor vinda não sabia de onde. Agora que derramara todas as lágrimas possíveis, respirava mais aliviado.
       E estendeu então o corpo exausto no sofá. Cruzou as mãos por detrás da cabeça e mais uma vez atento as luzes coloridas que se esparramavam pela sala, tentou com cuidado esquadrinhar seus pensamentos. Porém nada sondava em si que justificasse aquele seu estado de torpor. E entristecido nas profundezas de seu eu quis morrer.
      Sabia de antemão que passaria a noite em claro. Isso o exasperava. O relógio cadenciava as horas.
      Por instantes pensou ele em embebedar-se, mas comprometido com o trabalho que o aguardava pontual no dia seguinte, não arriscaria nisso. E com a mente ainda obscurecida pelo transe dolorido, os pensamentos dispersos e os sentimentos indefinidos, decidiu-se pela dimensão da música uma aresta pela qual costumava escapar daquele cubo em que se trancafiava seu eu. Levantou-se e selecionou uma sequencia diversa de discos. O silêncio para ele era o pior martírio naqueles momentos em que parecia perder-se de si mesmo. Não tomaria banho e nem comeria nada. Amargaria ali no sofá o passar das horas até o romper do dia. Quando então mais uma vez sairia para o trabalho. Na certa comeria algo no caminho para repor um pouco as forças. Sem dúvida nada mais fortificante que o sono para a debilidade física que o aguardava na manhã seguinte. Bastava um pouco de paciência e em breve tudo desapareceria, no transcorrer das horas, na madrugada longa que se adentrava.
       A música preenchia o ambiente. Adentrava por seus ouvidos e aos poucos relaxava seus músculos tensos. Sua mente vazia por vezes, quando sem querer fechava os olhos, materializava figuras sem forma definida difíceis de serem fixadas e, mais ainda difíceis de serem definidas.
     Disco após disco caindo no prato do aparelho de som orquestravam uma trilha sonora que, pouco a pouco, minuto a minuto, destilava do coração de Eurípedes toda a dor.
     Aos poucos ele foi se sentindo mesmo entorpecido, embalado pelo som.
     Quando menos se deu conta, esfregava os olhos e ofuscava- lhe a  luz do dia que adentrava pelas janelas da sala. Olhou para o relógio no pulso e já ia dando dez horas da manhã. Perdera o horário do trabalho e estava condenado a passar o dia solitário em casa.



FIM

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