“AS SEIS FACES DO CUBO”
Eurípides enfiou
a chave no buraco da fechadura da porta, destrancou-a e rodou a maçaneta.
Estendeu a mão até o interruptor e ascendeu a luz. Era já noite. Retirou o
sobretudo encharcado pela chuva no caminho de regresso para casa e atirou-o
numa poltrona da sala. Caminhou até uma pequena mesa de ébano e serviu-se de
uma dose de whisky. Sentou-se no sofá e fixou o olhar no lustre do teto, que
vazava luzes coloridas pelo ambiente.
Cerrou as
pálpebras e conservou-as assim por alguns minutos. Em seguida tomado de uma
fúria repentina atirou o copo bruscamente num quadro que pendurado na parede a
sua frente exibia uma paisagem bucólica. Pôs-se de pé a caminhar pelo ambiente,
numa atitude de quem busca desnublar a mente de algum pensamento incômodo.
Subitamente o
relógio de pêndulo ao canto da sala bateu cadenciado, anunciando nove horas da
noite. Mecanicamente Eurípedes levou a mão ao peito, soltou um suspiro lento e
respirando profundo a seguir, decidiu-se pela escuridão. Apagou a luz do lustre
no teto.
Fechou e abriu as
pálpebras e levando as mãos aos olhos, como a querer tornar mais escuro ainda o
ambiente debulhou-se em lágrimas.
Pranteou alto, aos
poucos prostrou-se de joelhos no escuro, e deixou-se levar pelo pranto, até o
deslizar das últimas lágrimas. Dor profunda assolava a alma daquele homem ainda
jovem e robusto.
Lentamente conseguiu se por de pé e tateou a
parede em busca de ascender a luz. Desafogara-se de uma agonia mortal.
Isso lhe
sobrevinha com frequência. Era tomado de súbito por uma dor que dilacerava seu
peito. Dor vinda não sabia de onde. Agora que derramara todas as lágrimas
possíveis, respirava mais aliviado.
E estendeu então
o corpo exausto no sofá. Cruzou as mãos por detrás da cabeça e mais uma vez
atento as luzes coloridas que se esparramavam pela sala, tentou com cuidado
esquadrinhar seus pensamentos. Porém nada sondava em si que justificasse aquele
seu estado de torpor. E entristecido nas profundezas de seu eu quis morrer.
Sabia de antemão
que passaria a noite em claro. Isso o exasperava. O relógio cadenciava as
horas.
Por instantes
pensou ele em embebedar-se, mas comprometido com o trabalho que o aguardava
pontual no dia seguinte, não arriscaria nisso. E com a mente ainda obscurecida
pelo transe dolorido, os pensamentos dispersos e os sentimentos indefinidos,
decidiu-se pela dimensão da música uma aresta pela qual costumava escapar
daquele cubo em que se trancafiava seu eu. Levantou-se e selecionou uma
sequencia diversa de discos. O silêncio para ele era o pior martírio naqueles
momentos em que parecia perder-se de si mesmo. Não tomaria banho e nem comeria
nada. Amargaria ali no sofá o passar das horas até o romper do dia. Quando
então mais uma vez sairia para o trabalho. Na certa comeria algo no caminho
para repor um pouco as forças. Sem dúvida nada mais fortificante que o sono
para a debilidade física que o aguardava na manhã seguinte. Bastava um pouco de
paciência e em breve tudo desapareceria, no transcorrer das horas, na madrugada
longa que se adentrava.
A música
preenchia o ambiente. Adentrava por seus ouvidos e aos poucos relaxava seus
músculos tensos. Sua mente vazia por vezes, quando sem querer fechava os olhos,
materializava figuras sem forma definida difíceis de serem fixadas e, mais
ainda difíceis de serem definidas.
Disco após disco
caindo no prato do aparelho de som orquestravam uma trilha sonora que, pouco a
pouco, minuto a minuto, destilava do coração de Eurípedes toda a dor.
Aos poucos ele foi
se sentindo mesmo entorpecido, embalado pelo som.
Quando menos se
deu conta, esfregava os olhos e ofuscava- lhe a luz do dia que adentrava pelas janelas da
sala. Olhou para o relógio no pulso e já ia dando dez horas da manhã. Perdera o
horário do trabalho e estava condenado a passar o dia solitário em casa.
FIM
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