segunda-feira, 7 de março de 2016

"UM CREPÚSCULO DE MIM"

“UM CREPÚSCULO DE MIM”
    
     É tarde e o sol se põe.  Sinto-me
como que esquecido por todos, até mesmo por Deus.
     Não há desespero em mim, nem a solidão me maltrata. Antes, parece que nesse silêncio todo que me envolve, minha alma repousa tranquila. O sol se põe no horizonte e os pássaros principiam a se recolher. Já quase não ouço o canto de nenhum.
     E eu que sempre me vi amedrontado de confrontar-me com o silêncio, descubro que há paz em meu interior. E se há mistério, nesse momento, o mistério não está em mim.
     E seria assim como se me espelhasse nas águas, o que contemplaria seria minha própria alma. E sei que aquilo que veria não me assustaria.
     O medo,  ou melhor dizendo,   a dor   dos  solitários não lateja em mim.  E sinto como que uma vastidão em meu ser.  E é como se fizesse parte e integrado estivesse à paisagem que me cerca.
     Os raios de sol que ainda invadem meu aposento, não iluminam só meu corpo, mas também o meu espírito. E estou preparado para a noite que se aproxima. E repouso tranqüilo, em paz no meu assento, destemido.  Ainda que tenha que permanecer só para sempre. Não há sede. Não há fome. E, principalmente não há do que se ocupar meu pensamento. E é como se o que sempre temi na solidão, não fosse o vazio em que ela implica, fosse antes não saber eu, que também deveria tornar-me vazio de mim, pois só assim com ela poderia irmanar-me, com ela poderia compactuar-me.
     Ah! Quem dera fosse a vida simples como esse momento que ora se apresenta. Quem dera pudesse eu o tempo parar, e permanecer nesse encantamento de paz. Nada desejo e nada desprezo.
     Talvez, penso comigo, assim estejam o animal e o vegetal para com a vida, simplesmente inseridos nela. Cumprem seu ciclo de vida e morte, mas deixam ilesa a essência que as gera, ilesa a natureza para a qual são como adereços na paisagem, e a ela se incorporam.
     É doce e suave essa ausência de confronto entre eu o animal e a árvore. É como se nesse instante, se asas tivesse, alçaria vôo; se raízes tivesse as fincaria na terra. Nada mais que isso.
     Se esse é o mistério daquele que se faz eremita. Tornei-me um ermitão sem dar-me conta.
     Sábio é sorver cada momento como ele se apresenta, na sua medida plena. Sem desejar mais nem menos do que aquilo que nos é proporcionado.
     Dispenso os homens. Ainda não consigo dispensar Deus, pois esse instante que sorvo, sorvo também a Ele e Ele a mim.
     Entrego-me ao silêncio e o meu silêncio é como o do ser que ruge e se aquieta. Da folha que cai. Da brisa que cessa.
     Agora a noite se aproxima e mais tranquila ainda se faz minha alma. Aguardo, caso haja, estrelas que na certa brilharão. Devo acender minha vela, aquecer meu alimento, aguardar o sono.
     Os últimos raios de sol tingem as nuvens no horizonte, e já o breu se aproxima e tudo se condiz num clímax. À medida que se vai o dia, cobre este a noite num mesmo instante e percebo que não há ruptura entre noite e dia.
     Da mesma forma não há ruptura em mim, nesse transe do claro para o escuro. E eis que estou preparado tanto para a luz como para as trevas. E Deus... Deus parece a mim que impera sobre ambos os princípios.
     E com amor ardente me poria agora por sentinela. Eis que é chegado o momento, se faz juz a vela.
     Despeja o claro da chama sombra sobre o papel e a orquestra noturna se inicia. Os sapos quacham. Os grilos cantam,  um cão ladra ao longe e  me é por segurança agora fechar minha porta, travar minha janela.  Se primitivo fosse me recolheria em minha caverna.   
     Quem dera me transcorresse a vida como essa simples quimera. Ou fosse sempre tão leve o fardo de cada dia, como essa noite que me espera.
     Ah! Quão bom seria se ao amanhecer se desse em mim um abençoado ocaso e fosse eu só no mundo, não como o homem que sempre fui, mas como Adão no início das eras.
     De Deus nada indagaria. Nem companheira ou companheiro exigiria. Só eu e as feras e a paisagem, com flores e folhas, numa só comunhão. Numa só harmonia.
     Ainda abrirei minha janela, quero a lua e as estrelas contemplar. Ladra meu cão... E seu ladrar me protege de um possível ladrão. Vou para fora, não há medo em mim. Aliás, a coragem sempre me foi por atributo.
     Já estrelas no céu brilham, e a lua por trás de algumas nuvens na certa se esconde. A fome me vem, vou aquecer o meu jantar. Comerei a luz de velas, e um bom vinho não dispensaria. Depois ouvirei música e lerei até que o sono venha. E se tiver que vir sonhos, que me sejam eles suaves, pois já padeci de pesadelos.
     E aguardarei o amanhecer, na esperança de que ele não me seja assustador. Feliz do homem que se satisfaz tanto na abundância como na ausência de bens. Este na certa saberá usar de sabedoria e estará preparado tanto para a vitória como para uma possível derrota.
     Nunca fui de natureza bélica, e se falei de paz, devo deixar claro que conheci do caos. E penso que aquilo que percebo estruturado em mim, não passa de um invólucro de meu caos. Por isso já aguardo revestido de possível armadura meu amanhã. E acredito seja louvável aquele que não confia em si mesmo, nem se quer no seu próximo. A natureza humana é de certa forma incandescente. E cada homem um possível vulcão. E o que se pode esperar de um vulcão senão  um possível e inesperado romper de lavas?
     Mas não me exaspero nem comigo nem com os demais. Sei aquietar-me e sofrer. E não lamentar-me. E não desistir da fé de quem sabe um dia, lá após a morte, já bem depois dos vermes terem dado cabo de minha carne putrefada, vir a ser uma estrela que brilhe altiva, ou uma gota de orvalho radiante numa manhã ensolarada, ou ainda nada disso. Ser o cessar de uma pulsação. O expirar de um sopro de vida. Simplesmente o pó que ao pó retornou.


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